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CURSO DE JOSEFOLOGIA Parte1

  • Foto do escritor: Traços de Maria
    Traços de Maria
  • 19 de mar. de 2019
  • 89 min de leitura

Curso de Josefologia (1/3)

Quem é São José? (Curso de Josefologia – Parte 1 – Capítulo 01)

Quem é São José? Quais são as suas características? Qual é o modelo de santidade que ele representa para os cristãos? Estas são interrogações, entre muitas outras, que temos o direito de fazer.

Tentaremos mostrar tudo isso neste Curso, sem esgotar o assunto.

Aliás, diante desta personalidade rica e ao mesmo tempo poliédrica percebemos que, quanto mais descobrimos, mais temos para encontrar.

De São José, na verdade, sabemos muito pouco. O seu nome é citado nos evangelhos apenas quatorze vezes, e os evangelistas lhe dedicam apenas vinte e seis versículos, mas não mencionam nenhuma palavra dele. Claro que isso não nos deve parecer estranho, pois os evangelistas estavam preocupados em narrar a vida de Jesus e o seu ministério. Não possuímos nem mesmo referências sobre o ano nem sobre o lugar onde nasceu. Não sabemos o nome da sua mãe e existem controvérsias a respeito do nome do seu pai (Para os que pensam que a genealogia de Lucas (3,23) dá a linhagem de Maria, e a Mateus (1,16), dá a de José, Jacó seria o pai de José e Heli o seu sogro. O uso da palavra “pai” no hebraico e no grego, permitiriam que esta fosse usada no lugar de sogro. Para os que pensam que ambas as genealogias dão a linhagem de José, Jacó e Heli seriam irmãos, e segundo o costume, quando Heli morreu, Jacó teria tomado a sua viúva como esposa, e José seria filho de Jacó no sentido literal, e de Heli no sentido legal. Segundo a lei dos Judeus ( Dt 25,5), o irmão deveria continuar a descendência de um irmão morto casando-se com a viúva deste. É possível que José tenha sido filho de Jacó por nascimento, mas filho de Heli por adoção).

Entrou em cena quase desapercebidamente. Não há nenhuma menção sobre a sua vida nem sobre a sua morte, e esse silêncio permanecerá por muitos séculos. Entretanto, foi a ele que Jesus submeteu-se como filho, e foi com ele e nele que Maria encontrou um grande amor e força para desempenhar com perfeição a sua missão sublime.

Na verdade, o mistério de São José está na eloqüência do seu silêncio e no primado do seu amor, sendo assim, a imagem terrestre da bondade de Deus. O seu silêncio é impressionante. Ele é o mais escondido de todos os santos. Talvez por isso tenha exercido e continue exercendo um fascínio na alma de incontáveis devotos. O seu abandono aos desígnios de Deus é total, não pede explicações, não contesta e, mesmo quando entra em cena, aparece quase que de modo obscuro. Se é verdade que, ao referir-se a ele, os evangelhos não usam muitas palavras, é indiscutível que a sua pessoa está envolvida por um halo de luz tão cristalino, que resume a essência do que ele representava, quando afirmam que “era um homem justo” (Mt 1.9).

Era justo com Deus, depositando nele a mais profunda confiança em toda a sua vida. Era justo com o próximo, pois vivia com Jesus e Maria na mais perfeita caridade. Era justo consigo mesmo, pois foi sempre fiel à vocação que recebeu.

São José é um santo no sentido mais amplo da palavra, afirmava um grande devoto josefino. Foi um homem à parte, reservado, retirado, separado. Um homem em quem se diria que tudo é interior. Um homem de Deus, todo de Deus, todo em Deus. Admirado com a extrema simplicidade e os traços de santidade com que José se apresenta, outro grande devoto do nosso santo, Olier, assim se expressou em suas considerações sobre ele: José “foi dado à humanidade para exprimir visivelmente as adoráveis perfeições do Pai, para ser a sua imagem aos olhos do Filho de Deus”. Então. como deve ser excelsa a sua santidade, a beleza desse grande santo que Deus Pai criou com suas mãos para representar a si mesmo ao Filho unigênito.

São José é, no dizer do Papa Paulo VI, “a luz que difunde os seus raios benéficos na casa de Deus que é a Igreja: preenche-a com profundas e inefáveis recordações da vida à cena deste mundo do Verbo de Deus, feito homem por nós e para nós, e que viveu sob a proteção, a guia e a autoridade do artesão pobre de Nazaré” (Paulo VI , Alocução de 19 de março de 1966). Deus, para realizar o seu grande desígnio de amor, quis servir-se de suas criaturas, entre as quais escolheu duas de seu especial agrado, Maria e José, como testemunhas conscientes e agentes livres e responsáveis. Por isso a participação desses dois astros de primeira grandeza na história da salvação os coloca no centro da história do mundo.

Deus procurou, em todas as gerações, quem pudesse ser escolhido e dado como companheiro àquela que escolhera como mãe do seu Filho eterno. Considerou a fé inabalável de Abraão, a pureza de alma de Isaac, a infatigável paciência e resignação de Jacó, a mansidão e a santidade de Davi, mas o seu olhar divino não repousou em nenhum deles. Foi além, pois só em José encontrou o homem que procurava, e sobre ele recai a sua escolha. “O Senhor encontrou José segundo o seu coração e lhe confiou com plena segurança o mais misterioso e sagrado segredo do seu coração. Desvendou a ele a obscuridade e os segredos da sua sabedoria, concedendo-lhe que conhecesse o mistério desconhecido de todos os príncipes deste mundo (Hom. Super Missus est, PL 183, 70).

“São dele os pesos, as responsabilidades, os riscos e as fadigas da pequena e singular família. É dele o serviço, o trabalho, e o sacrifício, na penumbra do quadro evangélico, no qual é agradável contemplá-lo” (Paulo VI, Homilia de 19 de março de 1969).

Portanto, ninguém pode ignorar o lugar que São José ocupa na hierarquia dos Santos. Se aprofundarmos a sua vida perceberemos que imitá-lo nos parecerá fácil, pois está muito perto de nós. Ele conheceu a luta do dia-a-dia. E a amargura, sendo igual a nós. A amável e singular serenidade que se irradia deste simples leigo com uma grande missão aos olhos de Deus, nos convida afetivamente a nos aproximarmos dele com mais familiaridade, para conhecer e seguir o seu ensinamento, que nos foi transmitido com tanta discrição.

Por isso, nós, católicos, tributamos aos nossos santos um culto de veneração, considerando sempre a dignidade que lhes foi concedida por Deus e os seus exemplos que edificam a nossa vida.

São José fala pouco, mas vive intensamente aquilo que faz, não se subtraindo de nenhuma responsabilidade que a vontade do Senhor lhe impõe. Por isso ele nos oferece um exemplo de atraente disponibilidade à vontade de Deus, exemplo de calma em cada acontecimento, de confiança embebida de sobre-humana fé e caridade, assim como do grande meio da oração (João XXIII, Felicitações apresentadas ao Sacro Colégio em 17 de março de 1963). Por ter sido escolhido como esposo de Maria e pai de Jesus, e devida à abundância de graças que recebeu de Deus, a Igreja sempre lhe tributou um culto especial.

Esse é o motivo porque São José vive na alma do nosso povo, pois o povo o conhece como o carpinteiro de Nazaré, de mãos calejadas por causa do manejo do martelo e do serrote. Mediante os quais tirava o sustento para si com o suor do seu rosto. Ele é um santo que não se encontra na grande galeria dos doutores da Igreja, nem dos sábios, nem mesmo entre aqueles que se revestiram do poder de conduzir a nossa Igreja. Nos céus não o colocamos entre os querubins e os exércitos celestes. Com seu estilo silencioso e humilde de vida, quase desconhecido, ele se assemelha muito ao nosso povo.

Em síntese, os trechos da Sagrada Escritura que falam sobre o nosso Santo podem ser resumidos nos seguintes:

1.Descendente da casa de Davi – Mt 1,16 / Lc 1,27.

2.Esposo de Maria – Mt 1,18.

3.Pai de Jesus – Mt 1,20; 13,55 / Lc 3,23; Jo 1,45 ; 6,42.

4.Perplexidade diante do mistério da encarnação – Mt 1,19.

5.Viagem a Belém para o recenseamento ordenado por César Augusto – Lc 2,4-6.

6.Fuga ao Egito e volta com Maria e o Menino para Nazaré – Mt 2, 14. 19-23.

7.Perda e encontro de Jesus aos 12 anos no Templo de Jerusalém; em seguida o Menino desceu com eles a Nazaré, onde lhes era submisso – Lc 2,48.

8.Era um homem justo – Mt 1,19.

Portanto, os dados dos evangelistas sobre São José são estes: era justo, filho de Davi, esposo de Maria, pai de Jesus e carpinteiro. São poucas informações, mas de importância fundamental, como todas as da Sagrada Escritura, pois são como sementes cheias de vitalidade e de conteúdos inexauríveis.

A Procedência de José (Curso de Josefologia – Parte 1 – Capítulo 02)

De São José, na verdade, sabemos muito pouco. Não temos referência sobre o ano nem sobre o lugar do seu nascimento, não sabemos o nome da sua mãe. E existem controvérsias a respeito do nome do seu pai. Os evangelistas Mateus e Lucas o apresentam como descendente do rei Davi (Mt 1, 1-16,20. Lc 1, 27; 2, 4 ; 3,23-31).

No entanto, há uma divergência na genealogia que ambos os evangelistas trazem, pois Mateus percorre, todo o caminho da sua ascendência chegando a Jacó (Mt 1.16), enquanto Lucas diz que ele é filho de Levi (Lc 3.23). Esta questão não chegou até hoje a uma solução satisfatória por parte dos exegetas. Em todos os casos a função da genealogia é justamente fazer Jesus entrar na história humana e documentar que o Verbo se fez carne na linhagem davídica. O intuito do evangelista Mateus é fazer ver a sucessão legal, respeitando os direitos messiânicos de Davi a Jesus . Lucas, do seu lado, quer indicar a sucessão natural de Jesus. O melhor esclarecimento a respeito dessas duas posições podemos fazer, levando em conta a Lei do Levirato expressa no livro do Deuteronômio (Dt 25, 5-10) ela estabelece que a mulher que ficasse viúva devia tornar-se esposa do irmão do esposo falecido, e o primeiro filho desse casamento era considerado filho legal do primeiro marido e filho natural do segundo marido. Com isso, podemos salvar tanto a sucessão legal como a natural de Jesus.

Além das referências sobre a sua pessoa, podemos ainda afirmar que José era esposo de Maria (Lc 1, 27), que era justo (Mt 1,9) e que era conhecido como carpinteiro (Mt 13,55 ; Jo 1,15). Sobre a sua família possuímos ainda uma referência de Egesipo, o qual afirma que ele tinha um irmão chamado Cléofas (Eusébio, Hist. Eccl 3.11, em PG XX, col. 248) . Pertencente à antiga dinastia de Davi, como afirmamos, José viveu em Nazaré (Lc 1, 26; Mt 2,23) durante toda a sua vida, menos, é claro no breve período que passou exilado no Egito, para garantir a segurança da sua família (Mt 2, 13-21).

Não sabemos se nasceu em Nazaré, porém achamos com grande probabilidade que sim, pois ali viveu toda a sua vida.

Contudo, podemos afirmar com segurança que, segundo o costume da época, foi circuncidado no oitavo dia depois do nascimento e recebeu o nome de José, que significa “crescimento, aumento” , e ainda criança aprendeu a ler o hebraico da Torá.

Seu país, a Palestina, onde hoje se situa o território de Israel, localiza-se na parte oriental do mar Mediterrâneo, e é formado por uma longa faixa de terra de 240 por 150 quilômetros quadrados.

Possui uma planície de terras ricas e férteis, montanhosa e de caminhos sinuosos, com desertos desoladores em contraste com colinas verdejantes e oásis exuberantes, marcados pela presença imponente do rio Jordão e do lago de Genesaré, a cuja beleza se opõe o inóspito mar Morto. Sua área montanhosa com colinas de 500 a 900 metros, espalha-se pelas suas três regiões características, denominadas Galiléia, Samaria e Judéia.

O rio Jordão, que forma no seu percurso o lago de Genesaré, também conhecido como mar da Galiléia pela sua profundidade de até 45 metros com 2 quilômetros de comprimento por 11 de largura, é um rio muito importante na vida do povo hebreu, pois foi palco de inúmeros e relevantes acontecimentos na vida desse povo. Basta lembrar que em suas margens o profeta João Batista pregava a conversão e batizava, em suas águas o próprio Jesus foi batizado.

Após percorrer 350 quilômetros, ele deságua no mar Morto, o qual possui uma extensão de 85 quilômetros com aproximadamente 16 quilômetros de largura, atingindo uma profundidade de até 400 metros. Suas águas são densas de sal, o que não permite nenhum tipo de vida.

A Palestina de José é herdeira de uma história de muitos séculos antes do nascimento de Jesus, marcada por lutas, conquistas, derrotas, monarquias, deportações e exílios. Esteve envolvida por uma densa atmosfera política. E por uma ânsia de libertação, e alimentou sempre uma fé intensa em Javé, embora freqüentemente contaminada por idolatrias e infidelidades.

São José nasceu na época da dominação romana. De fato, desde o ano 63 antes de Cristo, o seu povo vivia sob o jugo dos romanos, que introduziram na Palestina muitas novidades e progresso, particularmente construções imponentes, assim como os seus ídolos e templos profanos para cultuar seus deuses, o que constituía uma afronta ao povo de José, que se julgava o único conhecedor do Deus verdadeiro. Esse comportamento dos dominadores romanos, bastante eclético e incompatível com as aspirações dos hebreus, gerou muitas revoltas, guerrilhas e revoluções armadas por parte de facções do povo, sempre com o intuito de libertar-se da dominação estrangeira.

Mas, se tantas adversidades contrastavam na vida deste povo, algo muito especial os unia: o Templo de Jerusalém. Era em volta dele que girava a vida religiosa, social e política dos hebreus. Foi construído pelo rei Salomão no século X antes de Cristo, destruído por Nabucodonosor em 516 antes de Cristo, reconstruído por Zorobabel, e depois novamente destruído por Herodes por volta do ano 20. a.C., quando José já era adolescente, para que outro mais suntuoso e rico ocupasse o seu lugar. Esse último só ficou pronto no ano 64 a. C.

José, fruto do seu tempo, estava envolvido por esta atmosfera mística e ao mesmo tempo tensa. Conhecia bem o Templo e, como hebreu, oferecia os seus sacrifícios a Deus. O átrio do edifício sagrado era palco todos os dias, desde manhã bem cedo, de sacrifícios e imolações de animais, que ocupavam todos os altares, construídos em grande blocos de pedra. Como bom hebreu, José pagava 10% de imposto ao Templo, taxa que era destinada a sustentar os 20 mil funcionários, do mais alto grau sacerdotal ao empregado mais humilde, que ali prestava serviços. José tinha consciência das distinções de classe e do modo de pensar da sua sociedade. Percebia a existência de uma hierarquia e sabia que no topo da pirâmide social se encontrava a classe dos saduceus, um grupo poderoso, constituído pelas pessoas mais influentes e ricas, que eram sacerdotes e administradores do Templo. Esse grupo era intransigente na observância da Lei Mosaica e contrário às mudanças, sobretudo aquelas que pudessem afetar a sua posição na sociedade. Gozava de privilégios, pois colaborava com os romanos. Apreciava a ordem externa e zelava pela conservação do Templo e pelo funcionamento ritualista dos sacrifícios.

O Ambiente Sócio-Político e Religioso do Tempo de São José (Curso de Josefologia – Parte 1 – Capítulo 03)

O ambiente sócio-político-religioso do tempo de São José propiciava não só uma diversificação efetiva, mas também uma forte discriminação disseminada pelas diferentes camadas da sociedade.

Assim, o grupo dos fariseus, além de primar pela busca da ostentação religiosa com uma série de práticas marcadas por orações, purificações, normas de comportamento e pela observância estrita da lei em todas as situações da vida pessoal, era particularmente inimigo dos romanos e evitava todo e qualquer contato com aqueles que não conheciam a lei ou não eram judeus. Uma sociedade dominada por estrangeiros como esta caracterizava-se por um certo pluralismo partidário assim, um outro grupo, formado pelos chamados zelotas, distinguia-se particularmente pela luta contra os dominadores e, guerrilheiros como eram, não deixavam evidentemente de sempre carregar armas nas mãos. Era um grupo isolado. O seu “apartheid” era constituído sobretudo pelas grutas das montanhas na região da Galiléia. Outro grupo que contribuía bastante para acentuar esta fisionomia, secionada do povo judeu era formado pelos monges essênios, os quais, deste o século II a.C., se constituíram em comunidade, vivendo nas margens ocidentais do mar Morto, numa localidade que hoje conhecemos como Quamram. Esse grupo levava a vida ascética, acompanhada por uma disciplina muito rígida. Basta dizer que o membro da comunidade que proferisse uma blasfêmia era automaticamente expulso do seu meio. Esses monges solitários cultivavam o solo, consagravam o tempo ao estudo e, sobretudo, empenhavam-se em levar uma vida muito ascética.

Não bastasse tudo isso, ocorreu no meio deste povo um grande “racha”, que fomentou uma divisão profunda deste século X antes de Cristo, e que continua até os nossos dias, entre os judeus e os samaritanos. Esta ferida aberta e ainda não cicatrizada ocasionou um grande impasse na unidade desse povo. Dali por diante, a Samaria passou a ser considerada pelos judeus uma terra maldita e seus habitantes começaram a ser tratados como estrangeiros e pagãos, odiados e indignos de pertencer ao povo de Israel. Para os judeus, os Samaritanos eram tidos desde então como heréticos e impuros, pois não aceitavam mais o monte Sião como um monte santo, mas ao contrário, escolheram o monte Guarizim como lugar santo, onde construíram um templo, e que não deixou de representar para os judeus uma grande afronta a Deus e, portanto, uma idolatria.

Dominados pelas autoridades de Roma, os cidadãos hebreus, entre eles São José, tinham como líder político Herodes, um caudilho imposto pelo poder real de Roma. Herodes foi nomeado rei dos judeus pelo Senado romano no ano 46 a. C. Esse indumeu de mau caráter e muito autoritário espalhou no meio do povo sofrido e desolado inúmeras confusões e perseguições. Mandou matar todos aqueles que se mostravam contrários à sua política, inclusive sua esposa, sua sogra e seus dois filhos. Apesar dessas atrocidades e das inúmeras injustiças que cometeu arbitrariamente, os anos de seu governo transcorreram num clima de relativa estabilidade política e de prosperidade, o que fez com que lhe fosse atribuído o título de político astuto e administrador hábil.

Era justamente nesse ambiente instável, hostil e opressor que São José, alimentado por sua religião e fé inabalável em seu Deus, esperava, como os demais cidadãos deste povo , a libertação através de um grande acontecimento, prometido por Deus ao longo dos séculos e anunciado pela boca dos profetas, na pessoa do Messias.

Embora fosse desconhecido e ignorado nesse ambiente tenso, São José não passava desapercebido aos olhos de Deus, pois se fazia mister que a estada do Messias prometido no meio desse povo tivesse os préstimos de um homem magnânimo como ele, a tal ponto que o Filho de Deus o preferisse entre todos os grandes da terra, para revestir-se da sua filiação e assumir a sua condição humana e social.

Considerando toda a problemática latente na sociedade de José, podemos concluir que havia poucas possibilidades de desenvolvimento para seus membros, com exceção é claro, de alguns poucos privilegiados. Além do mais, este povo não se distinguia por riquezas de bens materiais, levando em consideração que era explorado pelos dominadores romanos e o solo onde habitava era pobre, como o é até hoje, e desprovido de recursos naturais. A escassez de chuvas resultante das condições climáticas, a técnica agrícola rudimentar e a dependência de muitas coisas, aliada a outros fatores, influíam profundamente na precariedade das condições econômicas e sócio-políticas do povo. A classe rica da Palestina, devido às suas possibilidades, tinha uma abertura acentuada para a civilização: conhecia e apreciava o teatro, o belo e a literatura, e também conhecia e praticava esportes como o lançamento de dardos, a corrida, a maratona, a luta etc. À classe pobre, da qual José fazia parte, não restava outra alternativa senão trabalhar e sofrer privações, explorada pela exorbitância dos impostos cobrados pelos romanos.

O regime alimentar da classe pobre era muito simples, como era, aliás as normas alimentares dos antigos hebreus. Eles faziam duas refeições por dia, uma de manhã e outra , a principal, bem a tardezinha.

O pão era o alimento da segunda refeição, pois devia constituir um luxo na mesa de José, assim como na de todos os pobres, na primeira refeição. Quase não comiam carne, mas em compensação, não lhes faltavam frutas como tâmaras, muito comum naquele clima, e também romãs e figos. Não faltavam óleo e vinho, leite, ovos e peixes pescados no lago de Genesaré. Aliás, a existência desse lago, também conhecido pelos judeus como mar da Galiléia devido à sua extensão e profundidade, é elemento que propicia uma beleza indescritível para quem o visita. A presença desse lago, tornou toda aquela religião um solo fértil, onde a planta cresce e permite qualquer tipo de vegetal, porque o clima é favorável. O historiador Flávio Josefo, encantado com essa beleza rara, já se expressava: “Até mesmo a noz, que aprecia terras frias, cresce ali em abundância, ao lado da palmeira, que prefere o calor, da figueira e da oliveira, às quais convém uma temperatura mais amena. Dir-se-ia que ali a natureza se divertiu, colocando os contrastes lado a lado.”

Não havia nada de luxuoso ou aparatoso na casa de um judeu pobre. Com exceção de Jerusalém e de alguns outros pontos estratégicos para os romanos na Palestina, não havia moradias luxuosas. As casas eram muito simples, construídas com paredes de pedras calcárias ou com tijolos de barro cozido ao sol e cobertas com tetos de barro amassado. Os moradores dormiam no chão ou em esteiras feitas especialmente para esse fim. Por isso, uma das primeiras coisas que a dona-de-casa fazia logo de manhã era desocupar as dependências da casa das esteiras ou das cobertas usadas para dormir.

Como salientamos, o povo simples vivia num ambiente marginalizador e classista. As mulheres eram as que mais sofriam com esse tipo de opressão. Nesse contexto social, os homens eram tudo e as mulheres não tinham voz nem vez. Eram consideradas inferiores aos homens, limitando-se ao trabalho caseiro: cozinhavam, faziam limpeza, iam buscar água na fonte, lavavam a roupa e nada mais. As mulheres podiam participar das funções nas sinagogas, porém tinham lugares à parte. O mesmo acontecia no Templo de Jerusalém, onde ocupavam os lugares situados atrás do espaço reservado aos homens, bem próximo da praça comum, aberta ao comércio de animais destinados ao sacrifício no próprio Templo. Nas cerimônias não lhes era permitido usar a palavra nem tinham autoridades para ler a Lei, a “Torá”. Por esse motivo, o testemunho de uma mulher não era levado em consideração por ninguém, e em público nenhum homem “de boa reputação” cumprimentava uma mulher (Enquanto a mulher hebréia era restringida neste ambiente marginalizador, só podendo sair à rua com muita cautela, a mulher romana gozava de ampla liberdade, freqüentava lugares públicos, ia aos jogos e aos circos, assistia aos espetáculos dos gladiadores, estudava, sabia ler e escrever poesias, podia escolher o marido e pedir-lhe sem inibição o divórcio, e até administrava os seus próprios bens.)

O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO E A VIDA DE JOSÉ EM NAZARÉ (Curso de Josefologia – Parte I – Capítulo 04)

José, conforme nos ensinam os relatos da infância de Jesus, era carpinteiro. Herdou essa profissão do pai, pois era costume o pai transmitir a profissão ao filho. Portanto, desde a adolescência ele pertencia à categoria dos artesãos. Analisando os costumes da época, podemos inferir com toda probabilidade que José era dono de uma oficina, portanto muito mais que um simples carpinteiro. Não fabricava somente móveis, portas e janelas, como nos vem à mente que pensamos nos afazeres de um carpinteiro, mas a sua profissão era muito ampla, abrangendo outras aptidões, segundo as necessidades da pequena Nazaré, onde morava e que com certeza, não oferecia possibilidades de mão-de-obra especializada. José não foi carpinteiro em Jerusalém, ou em Tiberíades, Jerico ou Cafarnaum, onde viviam a aristocracia e a burguesia, e onde poderia ter executado com maior satisfação trabalhos mais refinados e móveis de luxo. Ao contrário exerceu a sua dura e obscura profissão em um lugarejo perdido nas montanhas, fora de mão, em um lugar de lavradores rústicos, com casas pobres e muito simples. Assim, teve que se adaptar produzindo objetos rústicos e com técnica atrasada.

Sendo um artesão, um artífice que, além de trabalhar com madeira e ferro, também se adaptava às necessidades dos nazarenos, era uma pessoa muito conhecida, de confiança e benquisto pelos habitantes de sua pequena cidade. Podemos supor que executava a maior parte de seu trabalho num canto da sua humilde casa.

Naturalmente a sua profissão facilitava o contato com muitas pessoas, inclusive de fora de Nazaré e das regiões circunvizinhas. Neste sentido, não é lógico afirmar que José tenha vivido toda a sua vida confinado no seu pequeno mundo de trabalho. Podemos dizer que conhecia o seu país e a forma variada do seu trabalho facilitava a sua presença nas casas cujos moradores solicitavam os seus préstimos, assim como o contato com pessoas de outras regiões, de onde provinham, sem dúvida, materiais para o seu trabalho.

O dia de um hebreu começava bem cedo com o trabalho, mas já às 09:00 horas, José, fiel à tradição do seu povo, interrompia as atividades para recitar a oração prescrita pela lei. Ali mesmo, no recanto da sua oficina, em pé, voltado para o Templo de Jerusalém e com as mãos erguidas para o céu, rezava esta oração: “Escuta Israel: O Senhor é o nosso Deus, o Senhor é um só. Amarás o senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças…”

Após cumprir essa obrigação religiosa, retornava ao serviço: afinal, era com o suor do seu rosto, com a força de seus músculos e com os calos de suas mãos que tirava o sustento para si e para a sua família.

Ao meio-dia havia outra interrupção no trabalho e, de novo, outro momento de oração, na qual rezava lembrando a obediência aos mandamentos divinos, o amor exclusivo do coração e da alma ao Senhor. Deus e a promessa das bênçãos divinas. Depois dessa oração, a primeira parte da jornada de trabalho estava terminada.

Fazia-se então a refeição. Após um breve descanso, voltava-se à atividade normalmente, mas às 15h00 estava previsto um outro intervalo para o terceiro momento de oração do dia. E aqui mais uma vez José, como de resto o bom israelita, elevava seus pensamentos a Deus, recordando as proezas da saída do Egito, na qual Javé colocou- se como o Deus do seu povo. Portanto, competia ao povo lembrar e pôr em prática todos os mandamentos. Feito esse momento de oração, retomava-se novamente o trabalho, até o fim da jornada.

Assim, aquele pequeno recanto da casa pobre de Nazaré foi o palco que acolheu por muitos anos as três personagens mais importantes que viveram na terra: Jesus, Maria e José. Seus dias transcorriam calmamente. Nada ali se manifestava grandioso, portentoso ou extraordinário. José, imperturbável ao barulho da serra e do martelo, procurava dias após dia cadenciar tudo com suas orações e meditações. Animado por esse espírito, todos os seus trabalhos assumiam um significado profundo e imenso diante de Deus. Afinal, era ali, de maneira escondida, que se processava um grande mistério: um artesão pobre ensinava ao próprio Filho de Deus uma profissão e este lhe obedecia colocando em prática todos os seus ensinamentos.

Na verdade, José se apresenta como um homem completo para o seu tempo. Era seguro de si, possuía todos os requisitos de um homem instruído para a sua época, embora não fosse um homem de cátedra, mas um homem prático, capaz de tomar decisões coerentes e pertinentes à sua missão. Esse artesão desconhecido foi, efetivamente, um gigante de espírito. Descendente da tribo de Judá e da antiga dinastia da família do rei Davi, teve Nazaré da Galiléia como sua morada e a carpintaria como local de trabalho. Eis uma breve síntese deste leigo que viveu na Palestina no tempo do dominador Herodes, em que César Augusto e Tibério imperavam com todo esplendor.

Esta personagem saiu naturalmente da simplicidade e com a sua escolha sublime por parte de Deus, tornou-se o elo fundamental de ligação com a genealogia messiânica, particularmente pela aceitação imediata dos desígnios de Deus a seu respeito e da disposição de cumpri-los. Sua característica foi justamente o devotamente total de sua vida ao serviço da encarnação e da missão redentora do Filho de Deus, missão única e grandiosa. Por isso, foi enriquecido abundantemente com dons especiais por parte de Deus, e sua vida, iluminada por uma luz divina.

Até o presente momento procuramos projetar, ainda que palidamente, o contexto sócio-cultural-religioso do tempo em que São José viveu. Toca-nos agora concentrar nossas atenções mais na pessoa e no ministério que o nosso ilustre santo personagem desenvolveu no cumprimento fiel da sua vocação ao lado de Jesus e de Maria, sua esposa. Tenho consciência da limitação desta abordagem, visto que não se trata de uma análise profunda e pormenorizada sobretudo da parte teológica do nosso assunto em questão, porém procurei espelhar-me o mais genuinamente possível no que de melhor existe neste assunto.

JESUS CUMPRIDOR DO ANTIGO TESTAMENTO E O SIGNIFICADO DAS GENEALOGIAS (Curso de Josefologia – Parte I – Capítulo 05)

Toda a história de Israel é orientada para Jesus, o qual constitui o fato histórico por excelência que dá valor para todo o Antigo Testamento. De fato, Jesus reconhece a autoridade divina do Antigo Testamento e até fixa como objetivo de sua missão o cumprimento perfeito de todo ele ao afirmar “não vim abolir a lei e os profetas…” (Mt 5,17). A lei e os Profetas significam todo o Antigo Testamento. Como enviado do Pai ele cumpriu o Antigo Testamento no arco de toda a sua existência humana, ou seja, desde seu nascimento até o envio do Espírito Santo para sua Igreja. Nele encontra o cumprimento de toda a revelação de Deus (2Cor 1,20). Visto que as promessas do Antigo Testamento foram todas realizadas no Verbo feito carne: “Nós vos anunciamos a boa notícia: Deus cumpriu para nós, os filhos a promessa feita a nossos pais…” (At 13,32s). Foi Jesus mesmo na Sinagoga de Nazaré que depois da leitura do texto de Isaías (61,1s) proclamou solenemente: “Hoje realizou-se essa Escritura que acabaste de ouvir….” (Lc 4,21).

É claro portanto, que o Antigo Testamento era uma promessa, da qual os cristãos são os beneficiários (Gal 3,19). Os escritores do Novo Testamento interpretaram e aplicaram as profecias do Antigo Testamento em base à compreensão da história que é aquela dos próprios profetas, onde foi estabelecido o plano de Deus manifestado em diversas maneiras e modos, durante a história de Israel e por fim colocado em plena luz nos acontecimentos hauridos nos evangelhos. Pois bem, desta plena luz dos acontecimentos que explicitam o plano de Deus e que são marcantes nos evangelhos, José, o Carpinteiro de Nazaré, tomará parte de modo intenso, ainda que de uma maneira silenciosa e sem pronunciar uma palavra.

Dentro do contexto do Antigo Testamento podemos apresentar o significado das genealogias apresentadas no Novo Testamento pelos dois evangelistas Mateus e Lucas, os quais foram objeto de muitas discussões desde o início dos primeiros séculos da Igreja. Os judeus esperavam um herdeiro e sucessor do Rei Davi e este, nos desígnios de Deus, se concentrava em Jesus, o qual como o Messias seria escolhido da casa de Davi. Portanto, a davidicidade torna-se a “conditio sine qua non” da messianidade. Em vista desta promessa, o ponto central do primeiro capítulo de Mateus coloca Maria grávida pelo Espírito Santo antes de coabitar com José (1, 18), explicitando desta forma a realização da promessa messiânica.

A árvore genealógica que Mateus (1, 1-17) apresenta, quer demonstrar que Jesus é descendente de Abraão e portanto Judeu, e descendente de Davi e por isso Messias do povo hebraico. Assim, na genealogia de Mateus aparece a messianidade e a davidicidade de Jesus, demonstrando com isso que a promessa de Deus feita a Davi concretiza-se através da presença do esposo de Maria, José, apresentado como “Filho de Davi”, o qual dá a Jesus a ascendência davídica.

Na seqüência dos versículos 18-25, Mateus revela o encontro do divino com o humano realizado na instituição da família, onde Maria, Mãe de Jesus está comprometida em casamento com José (v 18), também se a presença do Espírito Santo em Maria parece que tivesse de comportar uma cisão do vínculo matrimonial (v 19). Deus contudo, escolhe uma família humana para o honroso inserimento de seu Filho no mundo.

No momento culminante da história da salvação, José é o filho de Davi escolhido por Deus e preparado (o evangelista o denomina Justo) para ser o esposo da mãe de Jesus e para dar o nome a este Menino singular concebido por obra do Espírito Santo. Face a isso não faltam teólogos que propõem a teologia de São José nos Tratados como o da encarnação, com o objetivo de realçá-lo como o Filho de Davi que garantiu a Jesus a sua messianidade. Outrossim, indicam também a teologia Josefina no Tratado de Mariologia, onde se deveria lembrar que a honra de Maria Virgem e Mãe, está ligada ao fato dela ser a “esposa de José”.

É fundamental termos em consideração a afirmação de Mateus (1,16) o qual não diz que José “gerou Jesus”, mas que “Jacó gerou José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus”. Nesta afirmação o evangelista deixa claro a concepção virginal de Jesus, explicitando que José não é o seu pai natural. Mesmo que Mateus tivesse dito: “José gerou Jesus”, continuava contudo afirmando a concepção virginal de Jesus, pois a palavra “gerar” na Bíblia nem sempre se refere à geração física, podendo também entender aquela geração puramente legal, já que os hebreus viam e aceitavam sem problema em suas genealogias também os pais adotivos, sem uma distinção rigorosa entre ambas. Com isso, José sendo simplesmente pai legal, ele, de direito transmitiu a descendência a Jesus. Portanto, por meio de José Jesus é descendente de Davi e herdeiro da promessa divina.

Sabemos que os hebreus viam como condição necessária para a chegada do Messias prometido, que este fosse da descendência de Davi (2Sam 7,16; 1Cr 17,14). A única exceção eram os monges de Quamram, os quais esperavam um Reino onde o representante fosse da classe sacerdotal.

O NASCIMENTO DE JESUS E A SUA CIRCUNCISÃO (Curso de Josefologia – Parte I – Capítulo 06)

O evangelista Lucas coloca neste acontecimento o fato de um Decreto para o recenseamento promulgado por César Augusto, fato este que levou José e Maria a dirigirem-se de Nazaré até Belém. Em Lucas (2,1-7) lemos “Naqueles tempos apareceu um decreto de César Augusto, ordenando o recenseamento de toda a terra. Este recenseamento foi feito antes do governo de Quirino, na Síria. Todos iam alistar-se, cada um na sua cidade. Também José subiu da Galiléia, da cidade de Nazaré, à Judéia, à Cidade de Davi, chamada Belém, porque era da cada e família de Davi, para se alistar com a sua esposa Maria, que estava grávida. Estando eles, ali, completaram-se os dias dela. E deu à luz seu filho primogênito, e envolvendo-o em faixas, reclinou-o num presépio; porque não havia lugar para eles na hospedaria”.

Constatamos que no segundo capítulo de Mateus por três vezes ele insiste: “Para que se cumprisse o que foi dito pelo Senhor por meio do Profeta”. Ainda Mateus (2,5-6) afirma: “Em Belém, na Judéia, porque assim foi escrito pelo profeta: E tu, Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor entre as cidades de Judá, porque de ti sairá o chefe que governará Israel, meu povo”. Ora, tudo isso indica expressões dos desígnios de Deus a respeito do nascimento do Messias.

Podemos concluir que a partir do fato do recenseamento, José começou a exercitar os seus direito e deveres de pai em relação a Jesus buscando o lugar para o seu nascimento, permanecendo ao lado de Maria durante o parto e depois registrando em Belém o nome e a pessoa de Jesus como seu descendente e em tudo isso saboreando, apesar das circunstâncias difíceis do nascimento de Jesus, que ele era o pai daquele que salvaria o mundo dos seus pecados (Mt 1,21).

Após o nascimento de Jesus, seus pais procuraram circuncidá-lo. O episódio da circuncisão de Jesus impressionou muitos pintores e artistas talvez pelo motivo da eficácia da cena, assim como tocou muitos pregadores pelo motivo do sangue derramado no rito, etc. Contudo é importante considerá-la na sua justa perspectiva teológica.

A circuncisão não foi invenção dos hebreus, porque esta já era conhecida entre os povos com os quais o povo hebreu teve contato. O que é próprio dos hebreus foi ter assumido este rito como símbolo da aliança com Deus e da santidade de Israel entre as nações. A carne do hebreu circuncidada é o sinal da aliança mantida e portanto do direito das promessas feitas por Deus a Abraão, e é também um título para o exercício do culto (Ex 12,43-44s). É em suma, um sinal de pacto com Javé.

A lei da circuncisão é descrita meticulosamente em Jeremias 17. É preciso afirmar que a circuncisão de Jesus não pode ser considerada somente como uma circunstância que permitiu de introduzir uma ação importante na sua vida, ou seja; de dar-lhe o nome de Jesus, embora reconhecendo a ênfase sobre a imposição do nome. Sem dúvida, Lucas não inseriu o rito da circuncisão simplesmente como uma notícia de crônica e nem quis com isso enfatizar a solidariedade de Jesus com o gênero humano, enquanto esta verdade já estava presente na encarnação. Também não é específico da circuncisão de Jesus a sua inserção na descendência de Abraão, porque esta podia também ser dada para estrangeiros como possibilidade para que participassem do culto (Gn 17,12; Ex 12,48), muito mais porque Lucas relata que Maria era esposada com um homem chamado José, da casa de Davi.

A circuncisão, portanto não pode ser considerada, como já afirmamos, apenas como uma circunstância para dar o nome a Jesus. Ademais, Lucas não diz expressamente que Jesus foi circuncidado, mas usa a expressão: “Quando se completaram os oito dias para a circuncisão…” (Lc 2,21). Este detalhe é importante para evitar que Jesus pudesse vir a ser colocado entre os circuncidados como se fosse um membro da aliança, ele que é a própria aliança. Ademais, Jesus não é um beneficiário das promessas, pois ele é a Promessa (2Cor 1,20), ele é aquele que “salvará o seu povo dos seus pecados” (Mt 1,21). Ele não está portanto entre os eleitos e salvos.

Lucas enfatiza a origem celeste do nome Jesus, deixando na sombra a função de José (Mt 1,21-25) e de Maria (Lc 1,31), para evidenciar que a salvação vem de Deus na pessoa de Jesus.

A circuncisão tornou Jesus súdito da lei (At 15,5) ele se submeteu à lei. Ela o envolveu na aliança, mostrando que ele é o Sim das promessas de Deus (Lc 1,54s.72s. 2,25). A circuncisão na ótica de Lucas foi o momento histórico no qual o nome de Jesus tornou-se mysterium salutis. De fato, ele interpreta este evento no seu significado salvífico através da ligação com o nome de Jesus “Ele enviou a sua palavra, aos filhos de Israel, anunciando-lhes a boa nova da paz por Jesus Cristo…” (At 10,36).A eficácia do nome Jesus tem aqui o seu início e todo o seu significado.

Entre os primeiros deveres de um pai para com o filho estava aquele de circuncidá-lo, o que não significava que o pai devia ser o executor material, porque podia ser a mãe (Ex 4,25), ou normalmente, dado a delicadeza do intervento, era atribuição de uma pessoa capaz, conhecido como Mohel (circundante). Contudo, era o pai que devia assumir a responsabilidade para que o seu filho fosse inserido no povo da promessa.

Esta cerimônia era realizada normalmente na casa do neonato (Lc 1,59) com a presença de um certo número de testemunhas que segundo a tradição talmúdica eram dez, entre as quais estava o padrinho que segurava o menino durante a cerimônia. Durante o rito o pai da criança proferia, conforme a tradição talmudica, uma benção com estas palavras: “bendito aquele que nos santificou com os seus mandamentos e nos ordenou de introduzir a este na aliança de Abraão, nosso pai”. No relato do desenvolvimento deste rito José ficou na sombra, contudo foi ele que como pai de Jesus que providenciou, preparou e preocupou-se com todos os requisitos para a realização deste rito. As gotas de sangue, o choro do menino, as suas lágrimas, são todos detalhes daquele precioso momento que podemos imaginar presentes em seu coração através daquele rito. Neste, José impondo-lhe o nome de Jesus declarou, como afirma a Exortação Apostólica Redemptoris Custos, “A própria paternidade legal em relação a Jesus; e, pronunciando esse nome, proclamou a missão deste menino, de ser o Salvador” (RC 12). Ele foi o primeiro a pronunciar oficialmente para o mundo o nome de Jesus e a proclamar consequentemente a sua missão de Salvador da humanidade.

A APRESENTAÇÃO DE JESUS NO TEMPLO E A OFERTA DO PRIMOGÊNITO (Curso de Josefologia – Parte I – Capítulo 07)

As referências que Lucas faz no trecho em que focaliza a narrativa da infância de Jesus mostram claramente o cumprimento do Antigo Testamento (Lc 2,22-24). Aliás, como já afirmamos, Jesus reconhece a autoridade do Antigo Testamento e vê o objetivo de sua missão e o cumprimento de todo o Antigo Testamento “não vim para abolir a lei e os profetas, mas para cumpri-la…” (Mt 5,17). O Antigo Testamento era um tempo de espera que culminou com a vinda de Jesus, o Filho de Deus (Gl 4,4) cumprindo tudo o que estava prometido.

A atenção que o evangelista Lucas coloca no cumprimento segundo a lei, mostra a sua preocupação de mostrar como o ingresso de Jesus no Templo é o cumprimento do esperado “dia de Javé”, caracterizado por uma purificação e de uma excepcional oferta que é o próprio Jesus. De fato, Lucas serve-se do rito de purificação da mulher que dava à luz, conforme era estabelecido pela lei de Moisés que toda a mãe, após o parto era obrigada a apresentar-se no Templo para purificar-se, pois a mulher após dar à luz era considerada impura (Lev 12,2-4). Para os exegetas, a cerimônia da purificação de Maria é considerada por Lucas como uma simples moldura histórica, na qual ele inseriu um quadro muito importante, sublinhando a excepcional santidade da oferta de Jesus.

Conforme o livro do Levítico, na Lei de Moisés continha três prescrições: a purificação da mãe depois de quarenta dias do nascimento do filho; a consagração a Deus de cada primogênito seja ele homem ou animal e o resgate de cada primogênito (Ex 13,2.13). Entretanto no texto, Lucas evidencia a apresentação de Jesus no Templo, isto para ressaltar o valor histórico que seus pais realizavam em vista da missão desta criança, Santa por excelência (Lc 1,35). Ele é um consagrado a Deus de maneira única e com uma especial consagração. Além disso, Lucas fundamentando-se no Antigo Testamento, onde a palavra consagração (parestánai) tem a conotação em relação aos Levitas e Sacerdotes que desenvolviam o serviço no nome do Senhor (Dt 17,12; 18,5), vê em Jesus desde aquele momento como o Grande Sacerdote da nova Aliança e também como o Sacerdote que se oferece como sacrifício ofertado (J. Danielou, les Evangiles de L’Enfance, Paris 1967, pg 109-111). Assim, José e Maria apresentam ao Pai, o próprio Filho Jesus como Sacerdote e hóstia dado em sacrifício.

A lei do primogênito estabelecida em Ex 13,1-15 era muito importante porque lembrava a absoluta dependência de Deus que Israel teve para sua libertação do Egito (Ex 3,12s). Os primogênitos israelitas na ocasião da libertação do povo de Israel do Egito, não podiam ser destinados para o uso profano, senão através do resgate, ou seja, de um pagamento efetuado pelo pai de uma soma equivalente aproximadamente a vinte dias de trabalho (Nm 18,16). No primogênito era representado o povo da aliança, resgatado da escravidão para pertencer a Deus (RC 13). Da fato, o evangelista Lucas descreve que “Concluídos os dias da sua purificação, segundo a Lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém para a apresentação ao Senhor, conforme o que está escrito na lei do Senhor: “Todo primogênito do sexo masculino será consagrado ao Senhor”(Ex 13,2); e para oferecerem o sacrifício prescrito pela lei do Senhor, um par de rolas ou dois pombinhos” (Lc 2,22-24). Portanto, o primeiro objetivo que Lucas coloca para a viagem da Sagrada Família à Jerusalém é para “apresentar o Senhor”, o Menino, o primogênito de Maria (Lc 2,7). Cumpriu-se, assim segundo o AT, o estabelecido na lei e Jesus com isso supera este rito, pois não era ele “um simples homem sujeito a ser resgatado, mas o próprio autor do resgate” (RC 13). Aqui está também mais um motivo do por que Lucas omite o referimento ao resgate, embora José, certamente o pagou, pois este era uma obrigação do pai. José com suas próprias mãos e plenamente consciente dos mistérios, ofereceu e consagrou a Deus sobre o altar do Templo, o Menino Jesus.

Os artistas têm com freqüência colocado o velho Simeão no centro da cena da apresentação de Jesus, o qual encontrava-se presente no Templo nesta ocasião em companhia de sua esposa Ana. Quem apresentou de fato Jesus ao Templo foram os seus pais (Lc 2,22), os quais cumpriram o que determinava a lei. Neste sentido não é possível separar José e Maria neste rito; eles foram os ministros deste, foram os instrumentos de Deus para esta oferta, ao passo que Simeão e Ana foram os instrumentos para a revelação do seu significado. Com isso podemos dizer que José e Maria foram introduzidos progressivamente no mistério de Jesus justamente através deste canal profético. De fato, eles ficaram maravilhados do quanto ouviram da boca de Simeão a respeito de Jesus, definido como salvação para todos os povos, luz para as nações.

É importante notar que foi nesta circunstância que Lucas pela primeira vez qualificou expressamente José como pai de Jesus, nomeando-o hierarquicamente antes de Maria, sua mãe (2,33). Também neste contexto Maria é envolvida como mãe, em relação a Jesus, “uma espada traspassará sua alma” (2,35); aqui o carisma profético de Simeão revela a participação de Maria na sorte dolorosa de seu Filho. Naturalmente José terá experimentado somente em parte esta profecia de sofrimento feita por Simeão, ou seja, tomará parte das angustias pela perseguição de Herodes e a fuga no Egito, ou ainda da dor por ocasião da perda de Jesus no Templo, isto porque o evangelista não acena se ele era ainda vivo durante a vida pública de Jesus.

No rito da apresentação de Jesus aparece evidente, a participação enfática de José porque ele, como pai, era o responsável do Menino e das observâncias religiosas que lhe diziam respeito. Sabemos que entre os deveres de um pai para com o seu Filho estavam a tarefa de circuncidá-lo, de resgatá-lo, de instruí-lo na Torá e numa profissão e de arranjar-lhe um casamento.

Desde o momento em que o Anjo lhe havia transmitido em nome de Deus a ordem de tomar Maria como sua esposa e de dar o nome à criança (Mt 1,21), José passou a viver na espera deste filho e assim, se a Simeão, em virtude do seu carisma profético, tocou anunciar pelos átrios do Templo a presença da salvação na pessoa do Menino (Lc 2,30-31), a José, como pai do Menino, tocou de fazer-lhe os gastos da oferta dele, em virtude do qual todos seriam salvos. O Papa Pio IX, devoto de São José, quando ainda era apenas um sacerdote, numa novena pregada por ele, ao comentar a apresentação de Jesus no Templo evidenciava a função de São José naquela particular circunstância, e assim descrevia o seu gesto: “José generoso e pronto na obediência, levanta os braços e tendo a suave hóstia do sacrifício exclama; Eterno Pai, eis esta criança, que me deste em lugar de Filho, eu o amo mais que a mim mesmo este amável, este estimado Filho; eu o adoro profundamente e com grandíssima reverência o reconheço por meu Deus; somente nele eu vivo, somente nele eu me movo, somente nele eu existo, mas vós quereis que este penhor seja sacrificado pela saúde dos homens…” (Escritos inéditos de Pio IX, em Estudos Josefinos 27 [1973] – 171).

A IMPOSIÇÃO DO NOME A JESUS E OS SONHOS DE JOSÉ (Curso de Josefologia – Parte I – Capítulo 08)

“Ela dará à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo de seus pecados. Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor falou pelo profeta: Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um Filho, que se chamará Emanuel (Is 7,14), que significa: Deus conosco. Despertando, José fez como o anjo do Senhor lhe havia mandado e recebeu em sua casa sua esposa. E, sem que ele a tivesse conhecido, ela deu à luz o seu filho, que recebeu o nome de Jesus” (Mt 1,21-25)

Sabemos que para o povo bíblico o nome designa a própria natureza do ser, as suas qualidades e a missão da pessoa. No livro do Gênesis (17,5) Javé trocou o nome de Abrão para Abraão porque o tornou pai de uma multidão. Dar o nome ao filho é um direito inerente à missão dos pais, pois estes exercitam a autoridade sobre eles, e de certo modo designam a personalidade deles. De fato, Abraão deu o nome aos seus filhos Israel (Gn 16,15;); Isac (Gen 17,19); Raquel ao filho José (Gn 30,22-24); Ana ao Filho Samuel (1 Sam 1,20); Zacarias a João (Lc 1,55-64). Na verdade, nesta ótica bíblica, José ao impor o nome a Jesus, o introduziu na descendência davídica com a sua conseqüente messianidade, assim como assumiu sobre ele os direitos de pai. De fato, São João Crisóstomo coloca na boca do anjo do anúncio a José, estas palavras: “Sem bem que tu, José, não tens nada a ver com a geração… te confiro igualmente aquilo que é próprio de um pai, impor-lhe o nome; te confio Jesus para que sejas aqui na terra o seu pai” (In Matthaeum homilia IV: MG 57,46-47).

Quanto aos sonhos de José, devemos afirmar que os teólogos afirmam que a historicidade da revelação comporta a possibilidade da manifestação de Deus em todos os níveis da criação e das realidades da vida humana, inclusive os determinismos biológicos e psicológicos. Os sonhos estão presentes na história dos Patriarcas, tais como: Abraão (Gn 15,.12); Jacó (Gn 31,10-18); José (37,5-10), etc. No NT são apresentadas situações de visões mas que no contexto parecem sugerir sonhos (At 16,9; 27,23; 18,9; 23,11), além daquelas referências de Mateus, onde se descreve a vocação de José (1,18-25), A fuga para o Egito (2,13-15), A volta do Egito (2,19-23), etc.

Ligado aos sonhos de José estão os anjos, os quais na mentalidade e concepção bíblica são considerados como seres do mundo celeste e mensageiros de Deus. São várias as passagens do NT que fazem referências aos anjos (Lc 1,11; 2,9; At 5,19; 8,26; 12,7.23; 22,43; Mt 4,11 etc.).

A respeito dos sonhos de São José existem muitas interpretações seja dos Padres da Igreja, seja dos teólogos. Não nos interessa aqui fazer uma explanação particular das diversas posições, basta afirmarmos que quase todos os comentadores e os teólogos, consideram o sonho como um grau inferior de manifestação divina a respeito daquela manifestação feita em estado de acordado. Em vista disso, consideram que a inferioridade do meio com que Deus escolheu para comunicar a José o seu desígnio é justificado por uma minimização da exigência do caso, ou seja, visto que José conhecia a inocência de Maria, era de se considerar suficiente qualquer leve insinuação para acreditar que a Virgem tivesse concebido Jesus, o Filho de Deus, e que o seu ventre estava repleto do Espírito Santo, como afirmou Euthymius Zigobenus. Outros viram na inferioridade do meio de comunicação divina a José (através do sonho) o reconhecimento da virtude de José. Para ele era suficiente uma aparição não manifestada.

Numa linha mais psico–religiosa alguns afirmam no sonho bíblico há a “passividade do homem” diante da ação de Deus, que dispõe tudo, sobretudo no plano da salvação e disto se conclui que “os Patriarcas são chamados para uma missão que transcende toda capacidade humana; eles são guiados na própria atuação não por uma simples providência humana, mas pela própria voz de Deus…, São José, como os antigos Patriarcas, agiu em função de acontecimentos que transcendem o ser humano… Ele é o instrumento, mas a ação vem de Deus. Ele coloca daquilo que é próprio de si a obediência no cumprimento da ordem, mas quem dispõe de fato é Deus”. Como defende Cristobal de San Antonio.

O Papa Paulo VI evidencia neste fato, São José como modelo de escuta da vontade de Deus, onde por “três vezes no evangelho, se fala de colóquios de um anjo com José durante o sono. O que quer dizer isso? Significa que José era guiado, aconselhado no íntimo, pelo mensageiro celeste. Havia uma ordem da vontade de Deus que se antepunha às ações e portanto o seu comportamento normal era movido por um arcano diálogo do que fazer: José, não temas; não faças isso; partas, voltes! Vemos (nele) uma estupenda docilidade, uma prontidão excepcional de obediência e de execução. Ele não discute, não hesita, não reivindica direitos ou aspirações. Lança-se na execução da palavra que lhe foi dirigida” (Homilia 19/3/1968).Portanto, José regulou a sua vida como a sua consciência, iluminada pelo o que o Espírito de Deus lhe ditava. Ele comporta-se conforme as inspirações que lhe vinham do alto.

Como conclusão pode-se dizer que os sonhos de São José conforme nos apresenta o evangelista Mateus, podem ser considerados como um meio de revelação divina. Eles podem ser considerados evidentes inspirações divinas que o guiava para o desenvolvimento de sua responsabilidade de pai legal de Jesus.

Sabemos que os sonhos ocupam 20% do tempo do nosso sono. A Sagrada Escritura considera o profetismo (Dt 18,9-19) como a instituição privilegiada colocada à disposição de Israel para conhecer a vontade de Deus, mas admite a eficácia de outros meios legítimos, tais como visões, sonhos, etc. (Nm 12,6).

Neste sentido, uma das características dos sonhos que estão presentes na Bíblia, é a transcendência do puro interesse privado de quem sonha para inseri-lo no plano da salvação. Os sonhos de José narrados por Mateus evidenciam este fato, pois estes referem-se aos “mistérios” da vida de Jesus, ou seja, nascimento, permanecia no Egito e residência em Nazaré, mistérios estes, dos quais São José foi indispensável “ministro”. De fato, nos episódios de sua vocação (Mt 1,18-25), José resolve suas dúvidas diante da admirável maternidade de Maria, quando o anjo o coloca junto a ela para assegurar a messianidade de Jesus através da descendência davídica e depois para dar-lhe o nome. Da mesma forma, a permanência no Egito é para salvar a vida física de Jesus ameaçada por Herodes, mas dentro do “mistério” é a redenção da humanidade operada naquela região de antiga escravidão através do Filho e do intervento do Pai: “do Egito chamei o meu Filho” (Mt 2,15). O mesmo se pode dizer para a residência ou permanência em Nazaré segundo o plano de Deus, a qual condiciona de certo modo a vida e a missão de Jesus, sendo assim a chave para compreender o seu escondimento e o seu segredo messiânico que caracteriza toda a sua missão.

Estes eventos dentro da história da salvação não são crônicas, mas acontecimentos salvíficos, eventos determinados para a execução do plano de Deus, e por isso Deus deu a José, o “singular depositário do mistério”, o caminho para ser percorrido, também se de um modo mais discreto possível, ou seja, através do sonho.

Este sentido de disponibilidade e de obediência de José é lembrado por João Paulo II propondo-o como modelo para toda a Igreja, .. “Logo no princípio da Redenção humana, nós encontramos o modelo da obediência encarnado, depois de Maria, precisamente em José, aquele que se distingue pela execução fiel das ordens de Deus” (RC 30).

A FUGA, A PERMANÊNCIA E A VOLTA DO EGITO (Curso de Josefologia – Parte 1 – Capítulo 09)

O relato da fuga e da permanência da Sagrada Família no Egito é um particular, que devemos à pena do evangelista Mateus. Neste relato Mateus mostra José no exercício de seus direitos e de suas funções de chefe da Sarada Família. É a ele e que anjo do Senhor aparece, é a ele que o anjo fala, é a ele que vem comunicada a destinação, é a ele que será depois revelada o tempo da volta para Nazaré.

Depois de ter cumprido todas essas prescrições legais, conforme o costume da época, José sem dúvida pensava que era hora de voltar para sua casa, para o seu trabalho do dia-a-dia, mas o evangelista Mateus descreve que, antes da volta para a Galiléia, haverá um outro fato muito importante, onde a Providência divina recorrerá novamente a ele. Através da comunicação em sonho por um anjo, é-lhe indicado o Egito como meta temporária de fuga, ou seja, até que Herodes morresse. Neste detalhe da fuga e permanência da Sagrada Família no Egito, descrito por Mateus, lemos: “Levanta-te, toma o menino e sua mãe e foge para o Egito e fica lá até eu te avisar, porque Herodes está procurando o menino para o matar” (Mt 2,13). A ordem de Deus para se exilar com a família foi cumprida por José imediatamente e com perfeição. “De noite, tomou o menino e sua mãe e retirou-se para o Egito, onde ficou até a morte de Herodes, para se cumprir o que o Senhor havia anunciado por meio do profeta: “Do Egito chamei o meu filho” (2,14-15). Ainda de noite ele empreende a viagem rumo ao desconhecido, seguindo o mesmo destino de Abraão, que se refugiou neste país, e de José do Egito, foi salvo ali das mãos de seus irmãos. Havia muito chão a percorrer, era necessário muita coragem e confiança em Deus, diante da ordem divina de que se exilassem nessa terra estrangeira, pois ali estariam em segurança, e seria dali, daquele país famoso por suas tradições, suas cidades cheias de monumentos solenes e com seus centros culturais e comerciais, que o Senhor seria chamado, como o profeta havia anunciado: “Do Egito chamei o meu filho” (Os 11,1). É por esse motivo que Mateus vê na fuga ao Egito e depois na volta da Sagrada Família à Nazaré, o cumprimento da verdadeira libertação prefigurada pelo antigo Egito e individualizada na expressão de Oséias citada acima.

Na fuga para o Egito, o evangelista se compraz em mostrar o nosso Patriarca exercendo suas funções e direitos de chefe da família que lhe foram confiados. É para ele que o anjo aparece, é com ele que o anjo fala, é a ele que é comunicado o lugar onde devem ir e será depois a ele que o anjo transmitirá o anúncio de retorno à terra de origem.

Deve-se ressaltar também a palavra “Egito” é uma localidade conhecida no AT não tanto por ser o refúgio dos Patriarcas e de outros personagens, mas sobretudo pelo lugar da dura escravidão do povo hebraico, da qual só o intervento divino pode libera-lo. Jesus é considerado por Mateus o verdadeiro Moisés, pois assim como Moisés acompanhou o povo hebraico até a terra prometida, Jesus o supera entrando na terra de Israel (Mt 2,20-21). O Papa João Paulo II colheu esta intenção de Mateus ao afirmar que: “Assim como Israel tinha tomado o caminho do êxodo, ‘da condição de escravidão’ para iniciar a Antiga Aliança, assim José, depositário e cooperador do mistério providencial de Deus, também no exílio vela por Aquele que vai tornar realidade a Nova Aliança”. (RC 14).

Neste mistério também José foi o ministro da salvação fazendo escapar da morte a vida ameaçada do Menino Jesus, como rezamos na oração composta por Leão XIII. Eis um motivo a mais para confiar no Patrocínio de São José, pois ainda hoje temos muitas razões para recomendar a São José cada ser humano, como nos ensina o documento Redemptoris Custos (N 31).

O evangelista nos relata com poucas palavras esta fuga para um país estrangeiro, não entrando em detalhes, não indicando o tempo e nem a forma da viagem, nem tampouco descrevendo as circunstâncias do trajeto. Limita-se a contar-nos o essencial, e o essencial é que Herodes procurava matar o menino Jesus. A atitude de Herodes não era estranha, pois já havia mandado matar outras pessoas consideradas seus rivais. Esse tirano não era benquisto pelo povo, e quando morreu, aos 69 anos, os judeus comentavam aos cochichos que ele tinha se “apoderado do trono como uma raposa, reinado como um tigre e morrido como um cachorro”. Mandar matar todas as crianças do sexo masculino, com menos de dois anos de idade, residentes na pequena aldeia de Belém e adjacências, tinha sido um de seus últimos atos infames, bem condizente com o seu mau caráter.

Para buscar a liberdade em outras terras, a Sagrada Família teve que empreender uma viagem penosa e arriscada, pois o Egito não ficava perto. Para atingi-lo era preciso fazer uma caminhada de cerca de 400 quilômetros. É descartada a possibilidade de que tenham feito essa travessia pelo deserto sozinhos. Certamente serviram-se de pessoas que conheciam esse trajeto para chegar ao objetivo, pois, além do cansaço da caminhada, havia escassez de água, falta de segurança etc. Mesmo os soldados romanos, equipados e treinados para longas caminhadas, preferiam combater a atravessar aquele deserto, conforme relatou Plutarco.

Os acontecimentos durante a viagem pelo deserto não nos foram relatados, portanto não existe nada que possa satisfazer a nossa curiosidade. Só existem piedosas e graciosas lendas, descritas com imagens poéticas pelos apócrifos (Os apócrifos são escritos da mesma época dos escritos bíblicos, ou um pouco posteriores, mas não são tidos como inspirados, portanto não estão incluídos no cânon oficial. Receberam a denominação de apócrifos, ou seja, ocultos, secretos, escondidos, porque não eram de uso público, ou seja, não eram usados oficialmente na liturgia e no ensino). Algumas dessas lendas encontradas no evangelho apócrifo do Pseudo Mateus e no evangelho Árabe da Infância, relatam que animais ferozes os acompanhavam no deserto, que bois e outros animais lhes traziam o que era necessário, ou que árvores se inclinavam enquanto o Menino Jesus passava, ou ainda, que árvores secas, sem folhas, tornavam-se frondosas para abrigá-los em suas sombras. Claro que a Providência Divina não deixou de socorrê-los nessa caminhada. Assim, árvores e palmeiras que se inclinavam para lhes fornecer frutos ou que faziam jorrar água fresca para matar a sede não passam de fantasia dos apócrifos.

Entretanto, a lenda que teve maior repercussão na iconografia e na literatura encontra-se no Pseudo Mateus, nos capítulos 22 e 24. Ele narra que, “enquanto estavam conversando, viram á sua frente os montes do Egito e suas cidades. Com alegria chegaram aos limites de Ermópolis, e entraram em uma cidade do Egito chamada Sotine”.

Como não houvesse ali nenhum conhecido em cuja casa pudessem hospedar-se, entraram no templo denominado Capitólio do Egito.

“Nesse templo haviam sido colocados 365 ídolos, aos quais cada dia se atribuíam sacrilegamente honras de divindades. Ora, aconteceu que, ao entrar a beatíssima Maria com a criança no templo, todos os ídolos caíram por terra, ficando completamente estragados e quebrados; assim demonstraram evidentemente que não eram nada”. Prosseguindo a narrativa, diz que “então Afrodísio, governador da cidade, ao saber do ocorrido, dirigiu-se ao templo com todo o seu exército. Os pontífices do templo, ao ver Afrodísio correr ao templo com todo o exército, pensavam que se vingaria daqueles que haviam feito os deuses caírem por terra. Mas ele, ao entrar no templo, vendo todos os ídolos prostrados no chão, aproximou-se de Maria e adorou o menino que ela tinha nos braços. Depois de adorá-lo, disse a todo o seu exército e aos amigos: “Se este não fosse o Deus do nossos deuses, os nossos deuses não teriam caído por terra diante dele, nem permaneceriam prostrados na sua presença, de maneira que, tacitamente, proclamou que é o Senhor deles. Portanto, se não fizermos todos, com maior cautela, o que fazemos aos nossos deuses, poderemos incorrer no perigo de sua indignação e irmos todos ao encontro da morte: como aconteceu ao Faraó rei do Egito, o qual, não dando atenção aos múltiplos prodígios, foi submerso ao mar com todo o seu exército. Então todo o povo daquela cidade acreditou, por meio de Jesus Cristo, no Senhor Deus”.

É interessante notar que esta descrição, imaginária ficou imortalizada no mosáico da abside da basílica Santa Maria Maior de Roma, onde está representada a cena de Afrodísio. Essa mesma realidade religiosa também é lembrada na prática de piedade das “Sete dores e alegrias de São José”, que lembra a alegria de São José “ao ver cair por terra os ídolos dos egípcios”.

Quanto ao lugar onde a Sagrada Família viveu no Egito, não é possível precisá-lo. Mateus é tão genérico neste ponto que podemos concluir que bastou José chegar à fronteira do Egito, ao sul de Gaza, em direção a Wadi Aris, para estar seguro, fora do domínio de Herodes. Contudo, são diversas as localidades que disputam a honra de ter hospedado a família imigrante de Nazaré. Entre elas destacamos Heliópolis, lugarejo distante 10 quilômetros de Cairo. Também no vilarejo de nome Matarieh, próximo do Cairo, num lugar denominado “Jardim de Bálsamo”; são venerados um antigo sicômoro, conhecido com “árvore da Virgem”, e uma fonte, cuja tradição busca uma interpretação no “Evangelho árabe da Infância”, explicitando que a Sagrada Família se dirigiria ao sicômoro hoje chamado Matarieh e Jesus fez com que ali brotasse uma fonte, na qual a Senhora Maria lavava as suas fraldas. Do suor de Jesus, que se espalhou, proveio o bálsamo da região (c 24). Hoje nesta localidade está erigida uma igreja dedicada à Sagrada Família. Ainda em Cairo, entre as várias igrejas edificadas, uma das mais importantes é Abu Sargha, construída segundo a tradição no lugar onde morava a Sagrada Família. Outras localidades se contentam em ter a honra ao menos da estada da Sagrada Família. Entre elas citam-se Bubaste, Bilheis, Pelusio e Koskam. Os elementos convencionais nos quais essas tradições se apoiam são quase sempre uma árvore, uma fonte ou uma igreja com uma referência clara a lendas apócrifas.

Pouco nos importa saber o lugar onde residiram o certo é que foi neste país, poderoso por causa de seus exércitos ágeis que a Providência os colocou por algum tempo, alojados provavelmente em um dos bairros hebreus, situados numa cidade próxima à fronteira oriental. Numa dessas localidades os “hebreus podiam encontrar auxílio e conforto junto aos compatriotas que viviam naquele país, famoso por suas tradições antigas, por suas cidades de monumentos solenes e por seus centros culturais e comercias onde pulsava a vida do grande mundo. No ambiente onde a Sagrada Família passou a viver, assim como em todo o Oriente, iniciara-se o culto ao imperador e o número de ídolos era bastante elevado: adorava-se o carneiro, o abutre, o crocodilo, o falcão… Além do mais, existiam um vasto domínio de magia e de superstições, especialmente no interior”.

Com a solidariedade de seus compatriotas, José encontrou um lugar para instalar-se com a sua família e deu início à nova vida em terra estrangeira, sem despertar nenhuma atenção para os israelitas que ali viviam. Juntos, os israelitas em país estrangeiro formavam uma associação mais bem estruturada e funcional do que na sua própria pátria, pois, pressionados pelas circunstâncias, precisavam ajudar-se mutuamente para subsistir.

O tempo foi passando e o exílio determinado pela Providência chegava ao fim. Segundo uma das versões mais prováveis, dois anos após a matança dos inocentes, Herodes morreu depois de uma doença dolorosa e repulsiva. Livre do tirano, o Anjo apareceu novamente em sonho a José no Egito e lhe disse: “Levanta-te, toma o menino e a mãe e retorna à terra de Israel… José levantou, tomou o menino e a mãe e foi para a terra de Israel. Mas, tendo ouvido que Arquelau reinava na Judéia em lugar de seu pai Herodes, teve receio de ir para lá. Avisado em sonho, retirou-se para as bandas da Galiléia, indo morar numa cidade chamada Nazaré” (Mt 2,20-23). Solicito como sempre, José preparou tudo, pegou o menino e sua mãe e se pôs a caminho em direção da sua terra de origem. Voltar para a sua terra era, sem dúvida, motivo de grande alegria, porém o clima por lá estava tenso e semeado de discórdia e violência. A política não andava bem as revoltas e a guerra civil havia causado muitas mortes. Arquelau, que assumira o governo da Judéia em lugar de seu pai Herodes da mesma forma um tirano, com sede de poder, e sua fama de atrocidades havia chegado também ao Egito. O povo acabava de sair das mãos de um sanguinário e começava a sentir na carne a dureza de um novo despotismo. José ao tomar conhecimento de todas essas péssimas notícias, sentiu medo e, como pai, temeu pela vida do menino. Como bom israelita, gostaria de no retorno, passar por Jerusalém, visitar o Templo onde ficou distante de seus olhos durante o período de exílio e dar graças ao Senhor antes de iniciar a sua nova vida em Nazaré, mas novamente Deus fixou os rumos da sua vida, comunicando-lhe que se dirigisse diretamente a Nazaré, evitando assim qualquer risco de vida para o menino. Os primeiros anos da vida de Jesus haviam sido cheios de intranqüilidade. Agora, na pacata Nazaré, rodeado por seu ambiente familiar, José podia viver mais sossegado.

É importante destacar um fato particularmente significativo nesta moldura do exílio. Tanto a ordem de refugiar-se no Egito como de retornar à pátria não foi transmitida a Maria. E sim a José, o que evidencia o reconhecimento da sua autoridade ou jurisdição paterna sobre Jesus. Neste acontecimento particular, José exerceu plenamente a sua paternidade, a sua missão de chefe da Sagrada Família e esposo de Maria. Nesse fato vemos a sua participação e colaboração clara e precisa no mistério da redenção. A ele foi confiado o início da nossa redenção, conforme rezamos na oração da coleta da missa do dia 19 de março. José foi ao mesmo tempo guarda legítimo e natural, chefe e defensor da família divina, ministério que exerceu durante toda a sua vida.

VIDA EM NAZARÉ E A PERMANÊNCIA DE JESUS NO TEMPLO (Curso de Josefologia – Parte 1 – Capítulo 10)

Neste mistério salvífico da fuga para o Egito, “José, depositário e cooperador do mistério providencial de Deus, também no exílio vela por Aquele que vai tornar realidade a Nova Aliança’ (RC 14). Ali ele foi instrumento do qual Deus se serviu para “chamar do Egito o seu Filho”

Terminada todas as vicissitudes e contratempos, de regresso do exílio, José estabeleceu-se com a sua família na pequena Nazaré e retomou as suas atividades de artesão. Afinal, era esta a sua profissão. De volta ao seu ambiente, tudo se tornara mais fácil. Portanto, dificilmente teria encontrado dificuldade em retomar os seus trabalhos na aldeia e nas vizinhanças, pois embora não fosse um homem de cátedra, era muito prático e capaz de, nas ocorrências da vida, tomar decisões não só no que se referia a si mesmo, como também aos outros. A sua profissão fazia dele um homem bastante conhecido entre os nazarenos, e o período que passou longe da sua terra, sem manter contato com os parentes e conterrâneos, não foi suficiente para apagar da memória do povo a imagem daquele homem completo, com sua personalidade rica e responsável em seus deveres.

Sua pequena oficina, que permaneceu por um bom tempo fechada, empoeirada e desapercebida, começava novamente a ser o ponto de encontro das pessoas, o ponto de referência para muitos da cidade e da região circunvizinha. Muito mais que isso, era o palco sublime da presença de Jesus criança e iniciante na arte da carpintaria. De novo o barulho da serra e do martelo passava a chamar a atenção dos transeuntes e a dar tom de vida mais movimentada à pacata cidadezinha.

Como antes, as mãos habilidosas do carpinteiro de Nazaré eram requisitadas não só para fabricar uma mesa ou um par de cadeiras, mas também para abrir uma valeta no quintal de um vizinho, consertar uma porta ou uma janela numa das poucas centenas de casas pobres do lugarejo, ou ainda traçar com maestria e habilidade os fundamentos de uma nova construção.

Desta maneira, o dia-a-dia de José começava a tomar novamente o seu ritmo, junto com a sua castíssima esposa e o seu filho, que “crescia robusto, cheio de sabedoria, pois a graça de Deus estava com ele” (Lc 2,40).

Como qualquer criança de seu tempo, Jesus queria crescer, e por isso observava com atenção o comportamento do pai e da mãe e se espelhava nos seus exemplos para tornar-se como eles. Será um aluno atento na carpintaria como esmero e manejo da serra e as pancadas certeiras do martelo. Sentir-se-á feliz aos sábados, ao deixar a labuta da oficina ou os bancos da escola para acompanhar o pai à sinagoga, ficará admirado ao seguir com atenção seus gestos e suas inclinações na casa de oração, sentira orgulho dele ao vê-lo encaminhar-se para frente na sinagoga, pegar o pergaminho da palavra de Deus nas mãos e proclamar em voz alta e altissonante a todos os presentes a palavra do Senhor.

Será no convívio com os pais que aprenderá o que é necessário para a vida, mas será também na sinagoga, lugar rico em ensinamentos, que irá entender muitas coisas. Atraído por sua curiosidade de criança, saberá que a pequena lâmpada, sempre acesa diante do armário que guarda sigilosamente os pergaminhos da Sagrada Escritura, simboliza a luz da lei divina ali presente que ilumina todos os homens. Será na freqüência à sinagoga que compreenderá que as estrelas de seis pontas significam o emblema do seu antepassado Davi, o grande rei que escreveu salmos belíssimos, muitos dos quais já sabia de cor, pois tinha aprendido em casa nos joelhos de Maria, sua mãe, ou na companhia do pai na carpintaria.

Será na sua família, pequena escola de Nazaré, que Jesus aprenderá a rezar e santificar o dia elevando o pensamento a Deus com as orações costumeiras do israelita. José e Maria, cientes da educação devida ao filho, não se limitarão a transmitir ensinamentos a Jesus apenas em casa, mas seguramente o encaminharão todos os dias a uma escola sinagogal, onde terá como livro os textos sagrados e como professor um rabi. Na escola aprenderá a recitar em voz alta o Shemá, a fórmula fundamental da fé do seu povo, assim como aprenderá longos trechos do Pentateuco. Em casa, aos poucos, entenderá os episódios, da história do seu povo, e como toda criança começará a amar os seus heróis estudados nos textos sagrados, como os Profetas, o poderoso José do Egito, Moisés o grande libertador e líder que conduziu o povo da escravidão do Egito pelo deserto por quarenta anos até a terra prometida, e Davi, que na sua simplicidade abateu o gigante Golias…

Com José Jesus irá aos poucos aprendendo o significado das grandes festas religiosas do seu povo que eram celebradas durante o ano (Era costume entre os hebreus visitar Jerusalém três vezes ao ano: nas festas da Páscoa, de Pentecostes e dos Tabernáculos. Os que moravam longe de Jerusalém tinham a obrigação de uma só viagem, justamente para os festejos da Páscoa). Quando já havia completado 12 anos, teve a oportunidade de participar pela primeira vez dos festejos da Páscoa na cidade santa de Jerusalém. Levar o filho pela primeira vez para participar oficialmente do culto ao verdadeiro Deus era motivo de muita alegria para todos os pais. As cerimônias desses dias tinham um significado muito profundo. José, a exemplo de outras famílias de sua cidadezinha, preparou tudo para fazer a peregrinação a Jerusalém, comida para a viagem, tenda para pernoitar, afinal eram quatro dias de viagem pelos montes de Judá, percorrendo em média 35 quilômetros por dia, além do burrinho para transportar tudo.

Chegados a Jerusalém, estes simples aldeões de Nazaré puderam admirar o palácio de Herodes com suas torres e muros, o formalismo dos fariseus e sobretudo espantar-se com o extraordinário número de peregrinos, fazendo com que a população, que normalmente era 78 mil, passasse para 150 mil ou mais pessoas. Tudo ali se confundia: costumes, língua e gente diferente misturada com pobres, doentes, coxos e cegos que aproveitavam os festejos para mendigar. No dia do início dos festejos José estava lá acompanhando Jesus, na parte do pátio do Templo reservada aos homens.

Terminados os festejos, que se prolongavam mais dias, era tempo de voltar para casa. Os peregrinos de Nazaré se reúnem para em caravana empreender a viagem de retorno, subdivididos em grupos de homens e mulheres. Jesus, porém, ficou na cidade, entre os pórticos do Templo, sem que seus pais percebessem, e ouvia os ensinamentos dos rabinos. Sua ausência na caravana foi notada quase depois de um dia de viagem, quando devem ter parado para descansar junto à fonte de Berot. Imediatamente os seus pais voltam a Jerusalém e o procuram por todos os lados, até que o encontram entre os doutores. Sua mãe, apreensiva, perguntou-lhe: “Filho, por que você procedeu assim com a gente? Seu pai e eu estávamos bastante aflitos procurando você”. (Lc 2,48). Nestas palavras de Maria fica evidenciada a paternidade real de José; não só os que ignoravam a divindade e a concepção admirável de Cristo chamam José de pai de Jesus, afirma Suárez, mas o próprio evangelista e também a Virgem Maria (Mistérios de la vida de Cristo, Madrid, 1958, Vol I, pp. 263-264).

Comumente a iconografia apresentou este fato ocorrido aos doze anos da vida de Jesus como “A perda de Jesus de Jerusalém”, porém seguramente não foi uma perda de Jesus entre a multidão que se apinhava em Jerusalém naqueles dias, mas sim uma decisão livre e espontânea do próprio Jesus… Ele mesmo quis permanecer lá, e não foi por um descuido de seus pais. Devemos notar que, aos doze anos, os adolescentes israelitas começavam a gozar uma certa autonomia e já eram considerados socialmente. Assim, não foi difícil para Jesus conseguir o seu intento, mesmo porque os adolescentes podiam acompanhar tanto o pai como a mãe em caravanas separadas, as quais se encontravam somente em alguns pontos preestabelecidos. Portanto, nem José nem Maria podiam imaginar que Jesus tivesse ficado em Jerusalém.

Depois de encontrá-lo, Jesus desceu com eles para Nazaré e, no seio da Sagrada Família, uma das tantas famílias desta pequena cidade da Galiléia, crescia e “robustecia-se de sabedoria, e a graça de Deus estava com ele” (Lc 2,40). Estas poucas palavras resumem o longo período da vida “oculta” que Jesus viveu à espera do cumprimento da sua missão messiânica. Durante todo esse período, Jesus viveu no âmbito da sua família, sob os cuidados de São José, que tinha conforme os deveres de um pai na época, a responsabilidade de alimentá-lo, vesti-lo e instruí-lo na lei e ensinar- lhe um ofício. Nesse contexto, Jesus crescia “em sabedoria, em estatura e em graça” (Lc 2,52), tudo na docilidade total aos seus pais “era-lhes submisso” (Lc 2,51). Correspondia, portanto, com todo respeito às atenções de seus pais e, “dessa forma, quis santificar os deveres da família e do trabalho, que ele próprio executava ao lado de José” (João Paulo II, Exortação Apostólica Redemptoris Custos, Roma, 1989 – RC 16).

Os evangelistas silenciam completamente sobre os anos da “vida oculta” de Jesus em Nazaré. Sabemos apenas que levou uma vida comum, não apresentando nada de especial entre os habitantes da sua cidade. Na oficina de José, acompanhou os acontecimentos por vezes tumultuados da história do seu povo, cujo governador, Arquelau, destacava-se pela crueldade, mostrando ter um braço forte para governar. Seu comportamento tirano gerava rebeldia, movimentos de revolta comandados por líderes espontâneos que se estendiam por toda a Judéia. Aspirava como qualquer cidadão do seu tempo a uma verdadeira e completa libertação, que depois iria pregar com toda veemência pelas terras da Palestina.

A instabilidade política reinante no país e o descontentamento do povo com o domínio dos romanos marcaram profundamente as etapas da vida de Jesus adolescente e jovem. Contudo, todos esses anos foram acompanhados pelos constantes e sábios conselhos de José educador. Ali, na casa de Nazaré, José transmitia ao filho a sua experiência profissional e humana.

O MATRIMÔNIO DE MARIA E JOSÉ (Curso de Josefologia – Parte II – Capítulo 11)

O primeiro título que Mateus dá a José é “Esposo de Maria”(Mt 1,16) e o segundo é “Filho de Davi” (Mt, 1,20). Entre os dois insere o qualificativo “Justo” (Mt 1,19) exprimindo desta forma o grau de santidade exigido no objetivo pelo qual estes dois títulos são lhe atribuído, ou seja, o inserimento do Verbo na família humana.

Sendo que a messianidade de Jesus depende do casamento de Maria com José, é natural que Mateus evidencie que ele é esposo de Maria. O evangelista interessa definir que Jesus foi concebido pelo Espírito Santo e não o momento da concepção, durante ou depois do casamento, mesmo porque o Verbo “Minesteúo” (v 18) utilizando por Mateus pode ser interpretado tanto como namoro como também para mulher casada que coabita com o marido (Lc 2,5). A Igreja retém que entre Maria e José houve um estreito vínculo conjugal e próprio por isto José participa da excelsa grandeza de Maria.

O matrimônio entre ambos foi verdadeiro porque entre eles houve a união conjugal, não a união sexual. Houve a “união indivisível dos ânimos” que levou ambos a manter-se perpetuamente fiéis um ao outro. O matrimônio de Maria e José não foi portanto um jogo de simples circunstâncias humanas, ou simplesmente o resultado de um preciso intervento de Deus. Este foi uma necessidade para o honrado inserimento do Verbo Divino na família humana e para o seu reconhecimento como filho de Davi. O mesmo foi destinado para acolher e educar Jesus, e por isso comportava a máxima expressão da união conjugal, ou seja, o grau supremo do dom de si. Neste sentido a virgindade exprime e garante a gratuidade deste dom, e assim esta união apenas não compromete a essência do matrimônio e da paternidade, mas a evidência e a defende, segundo a afirmação de Agostinho: “Esposo tanto mais verdadeiro quanto mais casto”, “Pai tanto mais verdadeiro quanto mais casto”.

O dom de si coincide, para São Tomás, com o amor amizade que não é o amor concupiscência, pois ama-se querendo o bem do outro e não o bem próprio; ama-se numa dimensão de amor recíproco. De fato, a afinidade espiritual de Maria e José foi tão grande que Maria aceitou a divina maternidade sem pedir o consentimento a ele, porque sabia que Deus tinha sobre ela todo direito e que era desejo profundo de José que ela fosse toda de Deus. Com isso a atitude de Maria para com José não foi uma falta de delicadeza, mas sinal de confiança. Em vista disto, Bernardino de Bustis afirma que: ”entre Maria e José existiu um amor indivisível e santíssimo; de fato, depois de Cristo, seu Filho, a Virgem puríssima não amou nenhum homem ou criatura assim como a José e da mesma forma José amou a beata Virgem acima de todas as criaturas”. (Sermo 12, de BMV Desponsatione). Maria se distinguiu em seu amor para com José e não houve ninguém que ela não tratasse com tanta familiaridade que a José, seu esposo.

Na comunhão de amor com Maria está também o segredo de toda a santidade de José e, se é verdade, como afirma Francisco Suaréz: “que um dos meios mais eficazes para obter de Deus os dons da graça é a devoção para com a Virgem e a sua intercessão, podemos acreditar que o santíssimo José, diletíssimo à Virgem e devotíssimo, obteve por seu meio a exímia perfeição e santidade. Desta forma, como é o parecer de São Bernardino de Sena, Maria amou José com toda sinceridade e com todo o afeto de seu coração e ofereceu-lhe livremente o tesouro de seu coração”.

Já afirmamos que Deus designou José “filho de Davi”, para transmitir a Jesus a descendência davídica e o fez através do matrimônio com Maria. Se Maria esposa de José tem um filho, este legalmente é também filho de José pelos efeitos civis e familiares. Daqui a importância deste matrimônio, pois juntamente com Maria, José foi envolvido na realidade do evento salvífico, sendo o depositário do mesmo amor do Eterno Pai (RC 1).

O anjo ao dirigir-se a José com o título, “Filho de Davi”, “introduz José no mistério da maternidade de Maria”, a qual tornou-se mãe por obra do Espírito Santo. O anjo também dirige-se a José como “ao esposo de Maria”, como aquele que deverá dar o nome ao Filho que nascerá da Virgem de Nazaré, sua esposa; portanto, confia-lhe uma tarefa de pai terreno a respeito do Filho de Maria (RC 3).

Já que a “União virginal e santa de José e Maria constitui o vértice do qual a santidade se espalha sobre a terra”, é particularmente oportuno celebrar a festa dos Santos Esposos Maria e José.

UM MATRIMÔNIO COM A UNIÃO CONJUGAL E TODO ESPECIAL (Curso de Josefologia – Parte II – Capítulo 12)

O pelagiano Julião, negou o matrimônio de Maria e de José, porque este não foi consumado. Agostinho defendeu este matrimônio colocando sua essência na união dos ânimos. Para ele José é esposo de Maria na continência, não pela união sexual, mas pelo afeto, não pela união dos corpos, mas pela união dos ânimos. A união deles não vem pela ligação dos corpos mas do consentimento, em virtude da União Conjugal. Para Agostinho não se pode dividir o casal porque não se une carnalmente, mas se une com os corações (Cordibus connectuntur).

A ausência da união sexual não faz com que José não seja o marido, pois o próprio Mateus narra que Maria foi chamada pelo anjo de sua esposa, mesmo referindo que não tinha tido a união sexual com ele para o nascimento de Jesus, mas que ela concebeu por obra do Espírito Santo. Assim, enfatiza Agostinho que aqueles que decidem consensualmente abster-se para sempre da união sexual, não somente não desfazem o vínculo conjugal, mas será tanto mais estável quanto mais este pacto, observado com amor e concórdia, existir não através dos liames dos corpos, mas com o afeto das almas (Voluntariis affectibus animorum).

Santo Agostinho afirma ainda a respeito da ausência da união sexual entre os dois que: “José não por isso não foi pai, porque não se uniu sexualmente com a Mãe do Senhor, quase que seja o libido a torná-la esposa e não a caridade conjugal”. Por isso responde a Julião que retém José somente como “quase marido”, ou seja, segundo a opinião do povo, conforme narra Lucas (3,25) que entendia remover a falsa opinião de que Jesus fora gerado pela união sexual, e não negar que Maria fosse esposa de José. Além do mais, Agostinho afirma que neles foram realizados todos os bens do matrimônio: o filho, a fidelidade e o sacramento. A prole que é o próprio Jesus, a fidelidade, porque não houve nenhum adultério e o sacramento, porque não há nenhum divórcio.

Em suma, para Santo Agostinho o matrimônio pode ser tido como tal não por motivo da união sexual, mas por motivo do perseverante afeto da mente. Os cônjuges devem saber “muito mais intimamente (multo familiarius) que aderem aos membros de Cristo, quanto mais possam imitar os pais de Cristo” (Contra Faustum 23,8).

O Matrimônio de Maria com José não é algo secundário ou um simples acontecimento na vida privada dos dois e sim, um matrimônio todo especial, mas nem por isso incompleto e insignificante, aliás, para termos conhecimento sobre a sua importância basta que leiamos Santo Tomás, o qual na terceira parte de sua obra Summa Theologica, na questão 29 dedica sua atenção sobre “O Matrimônio da Mãe de Deus”, onde interrogando-se sobre o seu matrimônio coloca duas proposições: se Cristo tinha que nascer de uma mulher casada e se houve realmente um verdadeiro matrimônio entre a mãe de Deus e José.

Antes, porém de abordarmos os argumentos de Santo Tomás, vamos considerar que a singularidade deste matrimônio suscitou ao longo dos séculos atitudes contrastantes, pois alguns preferiram não enfatizar São José como o verdadeiro esposo de Maria, mas sim, idealizaram Maria como esposa considerando-a esposa da Santíssima Trindade, esposa do Pai, esposa do Espírito Santo, esposa da Igreja, esposa das almas… menos esposa de José. Outros consideram o matrimônio de José e Maria muito problemático, e outros ainda o julgaram comprometedor, pois diziam que este ocasionava uma dificuldade para a sua virgindade e assim transformaram José num velho, no guarda de sua virgindade, sendo que tudo isso foi fruto da visão errada dos apócrifos, fato este que a arte testemunhou sobejamente.

Existem, contudo aqueles que são convencidos da importância deste matrimônio e inclusive promoveram a festa dos Santos Esposos, a qual é geralmente lembrada no dia 23 de janeiro.

Para nós é imprescindível afirmar que o matrimônio de José e Maria tem uma importância capital na história da nossa salvação. O próprio magistério da Igreja nos ensina que se é importante professar a concepção virginal de Jesus como nos relatam os evangelistas (Mt 1,18-25; Lc 1,26-38), é igualmente importante enfatizar o matrimônio de Maria com José (Mt 1,16-18-20.24; Lc 1,27; 2,5) porque juridicamente é deste que depende a paternidade de José (RC 7).

Na verdade este matrimônio entra num dos mistérios da vida de Cristo e o seu fundamento bíblico é indiscutível dado a estreita relação dele com todo o mistério da encarnação. O próprio Mateus embora sabendo que José não gerou Jesus, demonstra contudo a necessidade deste matrimônio, a fim de que Jesus tivesse a qualificação de Messias e a genealogia davídica. Portanto, a encarnação de Jesus aconteceu dentro deste matrimônio.

Os Padres da Igreja ao longo dos séculos ocuparam-se da importância e da natureza deste matrimônio, inclusive com a sua celebração litúrgica começada no início do século XV, sobretudo por esforço de Gerson (1363-1429), chanceler da Universidade de Paris, o qual num sermão: “Sermo de nativitate gloriosiae Virginis Marie et de commendatione Virginei sponsi eius Joseph” dirigido aos Padres do Concílio de Costanza (8/9/1416) pedia-lhes que invocassem oficialmente a intercessão de São José e de instituir uma festa em sua honra para todas as Igrejas com o objetivo de celebrar a festa dos Santos Esposos, particularmente aquelas dedicadas à Nossa Senhora, durante o 4º domingo do Advento; para isso ele compôs uma missa e um ofício próprio, o qual se difundiu rapidamente.

Desta data para cá a festa dos Santos Esposos foi celebrada com autorização para Dioceses, Congregações, Conventos e também para alguns Reinos. É de se notar que em 1555 o Papa Paulo IV ao condenar a seita dos Unitários, a qual negava a concepção virginal de Jesus, querendo extirpar tal heresia, suprimiu esta festa litúrgica em todos os calendários litúrgicos, porém nem todos observaram sua determinação. Somente em 1561 a Congregação dos Ritos ao fazer uma revisão dos Calendários particulares e dos Ofícios e missas próprias, catalogou a festa dos Santos Esposos Maria e José para o dia 23 de janeiro como festa considerada de devoção podendo ser celebrada nos calendários particulares, quando houvesse motivos especiais. Hoje esta festa permanece ligada aos motivos ou aos lugares e a sua promoção depende dos devotos e também, é claro, dos pastores.

A teologia do matrimônio tem suas raízes na criação e o seu cumprimento na encarnação de Jesus. Na ordem da criação o matrimônio exprime, através do corpo humano, a manifestação do amor. Na ordem da redenção o matrimônio de José e Maria torna-se essencial no aspecto cristológico por dar a Jesus a descendência davídica, no aspecto salvífico porque é a primeira realidade humana assumida para ser purificada e santificada e no aspecto eclesial porque é símbolo perfeito da união de Cristo com a Igreja.

Qual é na obra da criação a realidade que mais manifesta o amor de Deus, o qual é o próprio amor? É o próprio homem, imagem de Deus (Gn 2,7). O homem é visivelmente a mais alta expressão do amor de Deus, porque traz em si a interior dimensão deste dom e com isso leva ao mundo a sua particular semelhança com Deus. No prefácio da Missa para os Esposos lê-se: “Na união entre o homem e a mulher imprimistes uma imagem do Vosso amor”. O homem é portanto sacramento do amor de Deus e realiza isso justamente “doando-se”, existindo “para alguém”. “Numa relação de recíproco dom” (Osservatorio Romano, 10/1/1980). Nesta perspectiva o corpo manifesta a necessidade e a comunhão das pessoas. “O corpo é criado para transferir na realidade visível do mundo, o mistério escondido na eternidade em Deus, e assim ser o seu sinal…”(OR 21/2/1980).

O corpo possui portanto, uma função sacramental e isto leva-nos a descobrir o seu significado “Esponsal”, ou seja, a capacidade de exprimir amor. Infelizmente o pecado original comprometeu a função sacramental do corpo e o seu significado “Esponsal”.

UM MATRIMÔNIO VERDADEIRO E CONVENIENTE (Curso de Josefologia – Parte II – Capítulo 13)

Visto que o matrimônio tem a sua importância na ordem da criação, ele também encontra-se na ordem da redenção que tem o seu fundamento na encarnação. Santo Tomás considera o matrimônio de Maria e José afirmando que o nascimento de Cristo de uma Virgem esposa foi conveniente para ele próprio, para a mãe e para nós. Para Jesus para que ninguém tivesse motivo de renegá-lo como ilegítimo. Para que a sua genealogia seguisse segundo o costume a linha masculina. Para que o menino Jesus fosse defendido das insídias do diabo. Para que José providenciasse o sustento de Cristo. A respeito da Virgem o matrimônio foi conveniente para que ela fosse preservada da pena de lapidação, para que fosse livre da infâmia e para que José lhe fosse de ajuda. A respeito a nós foi conveniente porque o testemunho de José garante que Cristo nasceu de uma Virgem, como também para tornar mais crível as palavras da Virgem ao afirmar a sua própria virgindade. Porque tal matrimônio é símbolo da Igreja Católica Universal. Porque na pessoa da mãe de Jesus, esposa e virgem, vem honrada a virgindade e o matrimônio.

Quanto ao matrimônio de Maria e José, este foi verdadeiro, afirma Santo Tomás, porque houve a indivisível união deles que os obrigou a manter-se fiéis um ao outro. O matrimônio entre eles foi verdadeiro porque ambos consentiram a união conjugal, embora não consentiram a união sexual, a não ser sob a condição; se fosse a vontade de Deus. O matrimônio enquanto união sexual não foi consumado, mas houve nele a educação da prole, ou seja, de Jesus.

Ao comentar Mt 1,16 (Esposo de Maria) Santo Tomás afirma que o matrimônio de Maria e José foi verdadeiro porque nele existiram os três bens do matrimônio: a prole, o próprio Deus; a fidelidade, porque não houve adultério, e o sacramento, porque houve a indivisível união deles.

Não se pode concluir, com o intuito de negar este matrimônio, que com a expressão “nascido de mulher” (Gal 4,4), o apóstolo Paulo queira afirmar Maria como uma mãe solteira, ainda que virgem. De fato, a Carta às famílias de João Paulo II, do ano 1994 afirma que “Jesus entrou na história dos homens através de uma família… um caminho do qual o ser humano não pode separar-se”(Nº 2) e o Filho de Maria é também o Filho de José, em virtude do vínculo matrimonial que os une” (RC 7).

É devido a validade do matrimônio de José com Maria que Jesus entra na genealogia que de Abraão passa por Davi, passando por Jacó que gerou José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, chamado o Cristo.

São José participou como nenhuma outra pessoa humana, com exceção de Maria, do mistério da encarnação de Jesus. Ele foi o depositário do mesmo amor pela qual potencia o eterno Pai que nos predestinou a sermos os seus filhos adotivos por obra de Jesus Cristo (RC 1). José participou do mesmo mistério salvífico e do mesmo amor e esta sua participação é fundamental para compreender a importância de sua pessoa e de sua missão. Ele participou deste mistério juntamente com Maria, também se a sua maternidade não dependia dele; Maria portanto, não pode ser separada dele. “O mensageiro dirige-se a José como ‘esposo de Maria’; dirige a quem, a seu tempo, deverá por tal nome ao Filho que vai nascer da Virgem de Nazaré, desposada com ele” (RC 3).

Do mistério divino escondido nos séculos na mente de Deus (Ef 3,9) José é juntamente com Maria, o primeiro depositário. Ele, juntamente com Maria participa desta fase culminante da auto-revelação de Deus em Cristo. “Desde o momento da Anunciação, José, juntamente com Maria, encontrou-se em certo sentido, no íntimo do mistério escondido desde todos os séculos em Deus e que se tinha revestido de carne” (RC 15).

Segundo Santo Tomás, como já referimos, o matrimônio de José e Maria é verdadeiro, e para isso ele distingue no matrimônio as duas perfeições: uma no que diz respeito a essência e a outra ao uso; assim não se pode cair no equívoco confundido união conjugal com união sexual, quase que ambas estivessem no mesmo nível. Para fortificar esta posição, lembramos novamente Santo Agostinho em sua reflexão iluminante quando contra o pelagiano Juliano, que negava a existência do matrimônio, se este não fosse consumado. Para defender a verdade do matrimônio Agostinho afirma o verdadeiro matrimônio de José e Maria, propondo a essência da união dos ânimos. Ele afirma que José é esposo de Maria, sua esposa, na continência não pela união carnal, mas por afeto, não pela união dos corpos, mas, e é o que vale mais, pela comunhão dos ânimos. E conclui que como era castamente esposo, assim era castamente marido.

Assim, o vínculo matrimonial não é rompido pela decisão consensual de abster-se do uso do matrimônio, “Aliás, será tanto mais estável, quanto mais o mútuo acordo deles foi tomado não na base do prazeroso liame dos corpos, mas dos voluntários afetos dos ânimos” (De Nuptiis et concupiscentia, 1,11,12; PL 44,420-421).

Em outras palavras, a razão deste raciocínio é que “não é a paixão que a torna esposa, mas o amor conjugal… Não se deve portanto negar que sejam marido e mulher aqueles que não se unem carnalmente, mas se unem com os corações (Sermo 51,13,21; PL 38,344).

Santo Agostinho ensina por fim, que o exemplo do matrimônio de José e Maria mostra magnificamente aos cônjuges que eles “praticando por mútuo acordo a continência, o matrimônio pode permanecer e ser chamado como tal, se é conservado o afeto da mente, embora sem a união sexual do corpo” (De Consensu Evangelista rum 2,1,2: PL 34,1074).

Em vista do verdadeiro matrimônio entre ambos, segue que entre eles houve uma união envolvente e inseparável. José juntamente com Maria e também em relação com Maria, “participa da fase culminante da auto revelação de Deus em Cristo e participa desde o primeiro início”. Ele é o primeiro colocado por Deus sobre o caminho da peregrinação da fé de Maria. Estas são afinações de Redemptoris Custos.

José não está simplesmente ao lado de Maria como um mudo testemunho do mistério, mas participa profundamente dele. Esta sua participação e união passa fundamentalmente através do matrimônio deles.

Quando o anjo dirige a José com as palavras: “Não temas de tomar consigo Maria, tua Esposa, porque o que nela foi gerado é obra do Espirito Santo” (Mt 1,20), dirigiu-se como ao esposo de Maria e aquilo que se realizou em Maria por obra do Espírito Santo exprime ao mesmo tempo, uma especial confirmação do liame esponsal já existente antes entre eles; portanto, o seu casamento com Maria deu-se por vontade de Deus. Obediente, José toma, sem excitar, Maria como sua esposa e não a conhece (Mt 1,25), respeitando o pleno projeto de Deus sobre ela, e assim ambos vivem juntamente e integralmente a experiência do dom recíproco. O chamado de Deus para que José tomasse Maria como sua esposa, na qual, com sua maternidade, manifestou a obra do Espírito Santo, exprime que o amor de homem presente em José, é regenerado pelo Espírito Santo. O coração de José, “Obediente ao Espírito Santo, encontra próprio nele a fonte do amor”, do seu amor esponsal de homem.

É em virtude do matrimônio com Maria que José desenvolveu a sua tarefa de pai e Jesus era, com pleno direito, reconhecido por todos como “Filho de José” (Lc 2,23), não obstante a sua concepção virginal (Mt 1,18-25; Lc 1,35). Jesus, portanto, é considerado dentro de seu natural quadro familiar, onde os pastores vão à gruta e encontram “Maria, José e o Menino” (Lc 2,16). Jesus é apresentado no Templo pelos seus pais (Lc 2,22). São seu pai e sua mãe a maravilhar-se do quanto se é dito sobre o menino (Lc 2,33). Será com seus pais que Jesus aos doze anos vai à Jerusalém pela Páscoa (Lc 2,41-42). Como também desligando-se deles permanecerá na cidade (2,43). Será Maria que dirá a Jesus: “Olha que o teu pai e eu aflitos te procurávamos” (Lc 2,48). Será em Nazaré que Jesus viverá submetido aos seus pais (Lc 2,51). Portanto, houve entre José e Maria um verdadeiro matrimônio, também se característico, devido à sua singularidade de não gerar a prole, mas de acolhê-la e educá-la. Foi um matrimônio decretado por Deus em vista do nascimento conveniente de seu Filho, justamente porque Jesus acolhido neste matrimônio nascia no tempo, mas tinha a origem eterna, e por isso, não podia esse matrimônio a determiná-la, como sucede com cada ser humano. Por isso como afirmamos, e Santo Tomás esclarece, este matrimônio “foi ordenado especialmente para esta finalidade, ou seja, que a prole (Jesus) fosse neste acolhida e educada” (S. Th. IV sent, dist 30,q. 2 a 2 ad 4).

O matrimônio é uma sociedade, ao qual, pela sua natureza, une-se a comunhão de bens, por isso se Deus deu José como esposo à Maria, “deu-lhe não apenas para ser companheiro de vida, testemunha de sua virgindade, tutor de sua honestidade, mas também para que participasse pelo fato do pacto conjugal da sua excelsa grandeza” (Enc. Quamquam Pluries, 15/08/1889).

Se é verdade que Maria “abraçando com toda disposição e sem nenhum peso do pecado, a vontade salvífica de Deus, ela consagrou totalmente a si mesma como serva do Senhor à pessoa e à obra do seu Filho, servindo o mistério da redenção sob ele e com ele, com a graça do Deus Onipotente”, como afirma a Igreja (LG 56), também José ao lado de Maria, mediante o liame conjugal de sua excelsa dignidade e santidade e dentro da Sagrada Família, teve por uma ordem divina a tarefa de cuidar da pureza de Maria, de guardar a divindade de Jesus e de tutelar o mistério da redenção; “Toda a santidade de José, está no cumprimento fiel até ao escrúpulo desta missão”. De fato, São José se distingue, como afirma o Papa Paulo VI, em “ter feito da sua vida um serviço, um sacrifício, ao mistério da Encarnação e à missão redentora com o mesmo inseparavelmente ligada; em ter usado da autoridade legal, que lhe competia em relação à Sagrada Família, para lhe fazer o dom total de si mesmo, de sua vida e de seu trabalho; e em ter convertido a sua vocação humana para o amor familiar na sobre-humana oblação de si, do seu coração e de todas as capacidades, no amor que empregou ao serviço do Messias germinado na sua casa”.

Os teólogos ao analisarem tanto o texto de Mateus como de Lucas sobre o relato de como aconteceu o nascimento de Jesus, descrevem José como marido (Anêr) de Maria, enquanto que Maria é descrita como jovem (Gynê) e noiva (Mnesteùo). Estas diferenças não têm muita importância, pois para os hebreus o noivado ou casamento constituía o início de um autêntico matrimônio, coisa que é atestada também por Filon (De legibus specialibus, 3,12.72), assim como também na Bíblia, como por exemplo em Dt 29,7 e sobretudo Dt 22,22-25, onde se estabelece que a mulher fosse lapidada, seja ela casada ou solteira, se fosse apanhada em adultério. Portanto, para os evangelistas Mateus e Lucas não há a preocupação se no momento da encarnação do Verbo ambos eram casados ou apenas noivos, pois na verdade já existia um verdadeiro matrimônio.

A IDADE DE JOSÉ QUANDO SE CASOU COM MARIA (Curso de Josefologia – Parte II – Capítulo 14)

É comum apreciarmos a cena do casamento de José com Maria onde ele é representado como um velho, fruto da invenção dos apócrifos em faze-lo um esposo decrépito de Maria, a fim de eximi-lo de qualquer que fosse a responsabilidade na concepção virginal de Maria. Esta idéia foi bem acolhida especialmente por alguns Padres do Oriente como Santo Epifânio, São João Damasceno, São João Crisóstomo, além de dominar depois em nível popular na arte, na escultura, no teatro religioso, etc., sempre apresentando-o velho, careca ou com poucos cabelos brancos, numa atitude que representava mais um servo de Maria do que seu digno esposo.

Uma reação a esta concepção errada e injusta só chegou com Gerson (1363-1429), o qual passou a exaltar a grande missão de José como esposo de Maria semelhante a ela nos dons e virtudes (L.Martin Gonzáles, Iconografia de São José, sus fuentes – Estudios Josefinos, 26 [1972] pg 203-212). Após Gerson os escritores começaram a atribuir a José uma idade madura, de um homem cheio de sabedoria, portanto com a média de idade dos 40 anos para cima. Assim escreveram autores como F. Suárez (1548-1617) que atribuía a José a idade entre 30 a 40 anos, ou como Jerônimo Graccián, que lhe atribuía a idade entre 40 a 50 anos. O mesmo seguiram grandes pintores como El Greco, Rafael e inúmeros outros, assim como alguns escultores.

Naturalmente as razões para negar uma idade avançada a José, como esposo a partir de então, foram que se ele fosse muito velho seria um homem incapaz de gerar filhos, tanto que nem poderia defender Maria de eventuais calunias de adultério e nem Jesus de ser um filho adulterino. Além disso, não poderia desenvolver suas funções de pai nas diversas circunstâncias como a viagem de Nazaré a Belém e depois ao Egito com o retorno para Nazaré. Acrescenta-se ainda que teria dificuldade de prover as necessidades naturais para Jesus e Maria, pois teria suas forças físicas debilitadas.

É interessante levar em consideração a intenção banal dos apócrifos de que se José não fosse velho, seria-lhe impossível conviver castamente com Maria, sua jovem esposa; uma idéia inclusive ofensiva a esse homem dotado de uma graça especialíssima de Deus. Face a isso, segundo o conhecimento e as fontes de que hoje dispomos, e que os antigos escritores não tinham, é consenso comum atribuir a José aquela idade que era própria para um jovem hebreu casar-se, ou seja, entre os 18 a 25 anos (H.Haag, Diccionario de la Biblia, 1963 – voz matrimonio, col 1199).

O EXERCÍCIO DE SUA PATERNIDADE E A SUA DENOMINAÇÃO (Curso de Josefologia – Parte II – Capítulo 15)

A paternidade de São José foi, como disse Bossuet, um dom de Deus e por isso ela foi dotada do que é essencial para qualquer paternidade dando-lhe plenamente a consciência de seus direitos e deveres, tanto é verdade que embora nem fosse necessário a presença de Maria para o recenseamento em Belém, pois ela não era de descendência betlemita e nem da família de Davi e nem mesmo proprietária de qualquer imóvel em Belém, José e Maria foram até lá para não se encontrarem separados naquele momento importante do nascimento de Jesus. José foi depois de Maria, o primeiro adorador de Jesus, Filho de Deus; ele o circuncidou, apresentou-o no Templo, conduziu-o com cuidado e carinho juntamente com Maria para o Egito e depois os trouxe de volta para Nazaré. Ele depois providenciará laboriosamente com seu trabalho o sustento de Jesus e Maria.

Como muito bem afirmou Santo Tomás, o matrimônio de José com Maria e sua conseqüente paternidade, foram em vista da educação de Jesus, e neste sentido José exercitou os seus deveres, dentre os quais um dos mais importantes aquele da educação religiosa de Jesus, que segundo os costumes ele ensinou a Jesus desde as tradições nacionais, as quais em grande parte eram de natureza religiosa, assim como as prescrições dadas aos antepassados (Ex 10,2). Fazia também parte desta educação religiosa o ensinamento dos textos literários (2Sam 1,18), ensinamentos este que Jesus recebeu particularmente na escola sinagogal. Claro que a mãe também tinha sua responsabilidade na educação dos filhos, tais como os elementos de instruções moral (Prov 1,8; 6,20), e por isso Maria foi juntamente com seu esposo a dedicada educadora de Jesus.

Ainda na educação religiosa José ensinou a Jesus as orações que todo bom judeu rezava todos os dias em casa, na Sinagoga, ou no Templo, como o “Shemá”, e as orações de agradecimento durante as refeições. Não faltavam ainda na instrução religiosa a história da libertação do povo da escravidão e as grandes linhas da história da salvação, assim como os salmos, os ensinamentos dos profetas, etc. De tudo isso José foi um fiel executor. Portanto no processo educativo de Jesus, toda a sua vida foi impregnada dos exemplos e dos ensinamentos de José, assim como da educação profissional. É importante lembrar que os artistas também exprimiram este aspecto de José educador apresentando-o algumas vezes ao lado de Jesus diante de um livro instruindo-o .

É difícil encontrar uma palavra apropriada para denominar a paternidade de São José, com diz Billot: “Tratando-se de um caso único e singular, a língua humana não tem um termo que a defina exatamente” (Billot, De Verbo Incarnato, Roma 1904, pg 400).

O cardeal Billot reconhece portanto a dificuldade de encontrar uma palavra apropriada para indicar a paternidade de José. Para ele, trata-se de “um caso único e singular, em que a língua humana não possui um termo que a defina exatamente” (Billot, De Verbo Incarnato, Roma 1904, p. 400 nº 1). Diante dessa dificuldade, a paternidade de José foi definida como adotiva, legal, virginal, vicária, nutrícia etc., termos estes que servem para exprimir apenas os seus aspectos negativos ou secundários. Vamos procurar brevemente os motivos que levaram os teólogos a definir essa paternidade com os termos acima mencionados.

Muitos quiseram chamar José de “pai adotivo”. Este título indica uma relação paterna com o filho que não é da família, mas que se tornou em virtude da lei. É uma palavra inadequada, pois Jesus não era um estranho na sua família: José personalizava a paternidade divina sobre ele. Portanto, esse título não se encaixa bem, já que a adoção implica a acolhida de um filho, de uma pessoa estranha na própria família. Entretanto, alguns teólogos defenderam esse termo. Suárez dizia: “Por meio da adoção, também uma pessoa completamente estranha se torna filho, e o que adota é considerado pai, embora de certo modo. Assim, José aceitou e adotou como filho caríssimo, entregue pelo próprio Deus, Aquele que a sua esposa lhe deu sem a sua cooperação, mas por obra do Espírito Santo” (Carrasco, José Antonio – Paternidad de San José, In “Estudios Josefinos”1 (1947) pg 177-178) . Mas o próprio Suárez acentua depois que não foi José que adotou Jesus como filho, e sim foi Jesus quem adotou José como pai. A este propósito, é bom lembrar que o matrimônio de José e Maria, como muito bem ensinou Santo Tomás, foi de maneira particular estabelecido por Deus para receber e educar Jesus Cristo.

Outra expressão para designar essa paternidade é “pai legal”, baseando-se na afirmação do anjo a José que Maria, sua esposa, estava grávida por obra do Espírito Santo, e que dela nasceria um filho no qual ele colocaria o nome de Jesus . (Mt 1,21) Esta expressão tem um sentido estritamente jurídico. Contudo, não deixa de ser apropriada, porque explicita que a sua prole é legítima, reconhecida pela lei, podendo herdar o nome e os bens.

Deste modo, confere-se a José a legitimidade da sua paternidade e ao mesmo tempo a faz messiânica, visto que José torna-se o meio pelo qual Jesus recebe o título messiânico de filho de Davi. Esse título, porém, tem um significado formal e não responde à relação íntima entre pai e filho, portanto é incompleto.

“Pai virginal” é outra denominação bastante comum entre os teólogos. Este título também não deixa de ser impróprio, embora possa ser dos mais adequados e aceitáveis, porque capta a essência espiritual desta paternidade e determina a sua natureza. Nesta afirmação, São José é colocado junto com Maria dentro do matrimônio virginal do qual Jesus nasceu. Contudo, resta-nos salientar que existe uma grande diferença entre José pai e virgem e Maria mãe e virgem, porque Maria, permanecendo virgem, concebeu Jesus em seu seio por obra do Espírito Santo, dando-lhe um corpo, carne e sangue, como é comum a todas as mães, José, ao contrário, não participou de nada disso. Em conseqüência, também é um termo impróprio.

Alguns estudiosos preferiram chamar José de “pai nutrício”, levando em conta a sua dedicação a Jesus no exercício da sua obrigação como pai, mas este termo também é inadequado, pois São José não foi um simples guarda de Jesus. Ele indica apenas um aspecto da sua paternidade, colocando em luz algumas funções determinantes de toda paternidade: alimentar, defender ou, em sentido genérico, educar. Limitar a paternidade de São José a isso é restringi-la, desconsiderando a grande missão que ele recebeu de Deus.

Chamar São José de “pai matrimonial” de Jesus também já foi defendido na teologia Josefina, levando em consideração que a sua paternidade deriva do seu matrimônio com Maria. Parece que o próprio Santo Tomás se coloca nessa linha quando afirma que “o matrimônio de José foi disposto para acolher e educar a prole, Jesus”, isto é , houve uma predisposição divina. Essa é também uma denominação incomum, assim como a expressão “pai vigário” para indicar que José devia fazer as vezes de Deus Pai. É uma linguagem difícil de ser entendida.

O título mais comum que os teólogos encontraram para designar a paternidade de São José é “pai putativo”, baseando-se em Lucas 3, 23: “Ao iniciar o ministério, Jesus tinha uns trinta anos, filho, segundo se pensava de José…” Esse título também diz pouco. Serve somente para afirmar que os habitantes de Nazaré acreditavam que ele era o pai, sem que ele o fosse, o que pode fazer com que também nós acreditemos sem que ele o seja. Com esse termo excluímos São José da participação física no nascimento de Jesus, sem destacar os aspectos positivos da sua paternidade.

Diante de tantos títulos e qualificações para esta paternidade, qual seria a mais adequada para continuar chamando São José de pai? Duas expressões se apresentam como mais adequadas: pai putativo e pai virginal. O primeiro nega a relação de uma paternidade natural, mas não exclui nenhuma das atribuições que dizem respeito a essa paternidade. O segundo tem a facilidade de proporcionar um melhor entendimento dos fiéis, já que todos sabem que Maria concebeu por obra do Espírito Santo, e não por obra de um homem. Na verdade, nenhum título exprime a totalidade do relacionamento de São José com Jesus. Como esposo de Maria ele teve a missão não só de sustentá-la, ou de dar testemunho da sua virgindade para defender a sua honra, mas também , como afirmou o Papa Leão XIII na encíclica Quamquam Pluries, “De participar da sua excelsa dignidade”. A dignidade de Maria é ser mãe de Jesus. Por isso, São José participa dessa dignidade como pai de Jesus. Ciente disto, Suárez afirma que São José tem, junto com o nome de pai, a realidade da paternidade enquanto pode tê-la uma criatura, excluindo somente a geração física, ou como também afirmou São João Crisóstomo que São José teve, “salvo a sua virgindade, tudo aquilo que é próprio de um pai”. Em conclusão, podemos dizer que a paternidade de São José é um caso único, é uma paternidade sobrenatural, por isso acima de todas as paternidades que possamos conhecer. Não encontrando uma palavra que possa expressar perfeitamente essa paternidade especial, o melhor seria continuar chamando São José simplesmente de “pai de Jesus”, como a Sagrada Escritura sempre o chamou, não acrescentando nenhum adjetivo especial a esse título. Chamá-lo de “pai de Jesus” continuará contudo um perigo de heresia, porque o povo cristão sabe muito bem que São José não é o pai natural de Jesus.

ERROS SOBRE A SUA PATERNIDADE E A SUA NATUREZA (Curso de Josefologia – Parte II – Capítulo 16)

Alguns como Cerinto (I séc) e os ebionitas (II sec), viram José nada mais que o pai natural e físico de Jesus. É bom lembrar contudo, que alguns estudiosos mais recentes, chegaram a afirmar que não viam nenhum inconveniente quanto a paternidade física de José. Um destes foi Corbató, um dominicano morto em 1913, o qual atribuiu a José uma paternidade física, também se sobrenatural porque assim a sua paternidade se aproximaria quase que igual à maternidade de Maria. Ele fundamenta esta sua idéia sustentando a hipótese que o Espírito Santo fez um milagre de unir, sem que José e Maria soubesse, o espermatozóide e o óvulo no seio puríssimo de Maria, salvando assim o princípio da virgindade de ambos com o intervento do Espírito Santo. Naturalmente sua idéia foi condenada. Numa linha de pensamento semelhante, Petrone em 1928 publicou, através de uma revista italiana, que a paternidade de José era natural, mas incompleta, e poderia então chamá-la de instrumental. Ele explicava que José foi pai de Jesus não só porque o cuidou e o educou, mas também porque colaborou para a sua concepção como um cooperador do Espírito Santo. Também a sua idéia foi condenada pela Igreja.

Ao descrever a genealogia de Jesus (Lc 1,26-38) o evangelista não afirma: “E José gerou Jesus”, como para dizer que ele é o pai natural. Na verdade o evangelista enfatiza que José não teve nenhuma participação na concepção de Jesus “Antes que coabitassem, ela se encontrou grávida, por obra do Espírito Santo” (Mt 1,18). Além do mais, menciona a sua angústia ao descobrir que Maria estava grávida.

José não é o pai natural de Jesus, mas isso não diminui em nada a sua missão, mesmo porque para os judeus a paternidade física não era determinante e isto pode-se constatar no caso da Lei do Levirato descrita em Lv 25,5ss, uma lei muito antiga, anterior a Moisés. Neste relato um gera fisicamente, mas o outro é considerado pai; a paternidade legal prevalece sobre a natural. Uma outra lei também antiga como a do Levirato atribuía não à mãe que gerava, mas à sua patroa o filho que a escrava gerasse, se tivesse sido a própria patroa, a dar a escrava ao marido para poder ter dela uma descendência (Código de Hammurabi – James B. Pritchard, ancient near Eastern texts relating to the Old Testament, Princetur, 1955, pg 1635).

A respeito desta lei que podemos chama-la de “A atribuição do filho da escrava”, encontramos em Gn 30,1-13 o caso do Patriarca Jacó que teve todos os seus filhos das escravas de suas duas mulheres Lia e Raquel e foram considerados como filhos legítimos de suas legítimas esposas. Claro que no caso de José a sua paternidade não entra nos exemplos acima, pois foi fundada sobre um verdadeiro matrimônio, e ele foi designado por Deus para ser pai de Jesus com uma missão precisa, sendo antes de tudo chamado por Deus à paternidade e depois ao matrimônio com Maria.

Esta singular paternidade de José não foi menos nobre, aliás, por sê-la, por uma especial escolha de Deus, ela é mais eficiente, pois ele é pai pelo desígnio de Deus, através de uma paternidade que vai além daquela natural. José é, como afirma Santo Agostinho, “tanto mais pai, quanto mais o é castamente”.

O próprio Santo Agostinho afirma que a prole é um bem do matrimônio não apenas enquanto gerada dele, mas porque no matrimônio é recebida e educada, e o matrimônio de José e Maria foi estabelecido por Deus para receber e educar Jesus. E Santo Tomás afirma que o matrimônio é o meio do qual Deus se serve para conferir a José a paternidade sobre Jesus, e que este matrimônio foi expressamente pré-ordenado por Deus para acolher e educar Jesus. Com isso, concluímos que José não podendo ser pai de Jesus por meio da geração física, Deus concedeu-lhe uma paternidade única, ou seja, aquela que passa pelo matrimônio com Maria. Sua paternidade é especial, não comparável a nenhuma outra, porém muito próxima daquela física e natural.

José foi o escolhido entre todos para a grande missão na terra para ser pai de Jesus e com ele teve um relacionamento que o coloca o mais próximo possível de Cristo. Nenhum homem pode reivindicar uma posição tão singular no desígnio da encarnação, e por isso depois de Maria, ele foi aquele que teve a maior vocação que se possa imaginar, sendo colocado inclusive, na ordem da União Hipostática.

É certo que ao longo dos séculos houve uma concorrência iconográfica, particularmente de alguns santos que experimentaram de algum modo o contato com a humanidade de Jesus, fato este recolhido pela agiografia e expresso pela iconografia. Naturalmente Maria e José ocupam os primeiros lugares na representação do contato com Jesus. A título de esclarecimento podemos assinalar o santo velho Simeão, o qual recebeu fisicamente Jesus em seus braços pela ocasião de apresentação do Menino no Templo. Outros santos são representados com esse privilégio: São Bernardino de Claravaux (+1153), Santo Antonio de Pádua (1281), João Duns Scoto (+1308), São Caetano de Thiene (1547), São João de Deus (1550),Santo Estanislau Kostka (1586), São Felix de Cantalice (1587), Santa Rosa de Lima (1617).

José é o Pai de Jesus (Lc 2,48) e como verdadeiro Pai ele teve para Jesus “por especial dom do céu, todo aquele amor natural, toda aquela afetuosa solicitude que o coração de um pai possa experimentar” (RC 8). E com a potestade paterna sobre Jesus, Deus também participou a José o amor correspondente, aquele amor que tem a sua fonte no Pai (RC 8). Deus não o constituiu apenas o digno esposo de Maria eleita para ser a Mãe de Deus, mas também criou nele um coração de Pai que Ele na sua Pessoa Divina refletia desde a eternidade.

O título de Pai dado a José e reconhecido pelo Espírito Santo foi certamente honrado por Jesus durante a sua vida terrena através da obediência, (LC 2,51) mas foi também honrado por José porque fez “da sua vida um serviço, um sacrifício, ao mistério da Encarnação e à missão redentora com o mesmo inseparavelmente ligada; em ter usado da autoridade legal, que lhe competia em relação à Sagrada Família, para lhe fazer o dom total de si mesmo, de sua vida e do seu trabalho” (RC 8).

REQUISITOS PARA A SUA PATERNIDADE (Curso de Josefologia – Parte II – Capítulo 17)

Na cena do nascimento de Jesus as iconografias clássicas apresentam freqüentemente São José em atitude de adoração, ou de reflexão; às vezes em idade avançada, um mudo testemunho de fatos que o superam e quase guardião de um segredo no qual está envolvido. Claro que este tipo de iconografia espelha o sentimento dos fiéis, suscitado por pregadores influenciados pela literatura apócrifa desenvolvida nos primeiros séculos do cristianismo. A difusão desta realidade marginalizadora de São José foi devido ao fato que esta oferecia uma solução prática para alguns problemas que diziam respeito à virgindade de Maria. Nesta perspectiva apresentar São José velho garantia a virgindade de Maria e resolvia a dificuldade dos irmãos de Jesus, os quais teriam sido filhos de José de um precedente casamento, e que depois de viúvo, teria se casado com Maria, segundo ensinavam os apócrifos.

É verdade que a Igreja nunca tomou como suas estas fantasiosas explicações definidas por São Jerônimo de “delírios” dos apócrifos justamente porque não são verdades. Mas por que Deus quis que Jesus nascesse de uma Virgem esposa, se a concepção de Jesus devia dar-se por obra do Espírito Santo? Dado que a paternidade biológica é contextualmente excluída, a presença de José como esposo é devida ao fato que a sua paternidade devia abarcar uma extensão mais ampla do que aspecto biológico, ou seja, devia abraçar aquele aspecto jurídico e também psicológico.

Afirmamos que a situação imaginada pelos apócrifos em relação a José é insustentável, quando se considera que o objetivo da presença dele, segundo a vontade divina, era não apenas aquele de dar a Jesus uma descendência legal, mas também aquele de honrar eficazmente a maternidade de Maria, coisa que na situação de sua idade avançada, e para dar a Jesus o sustentamento paterno, não-lhe era possível.

José é verdadeiro pai, com uma paternidade no significado mais completo, mesmo porque as modernas técnicas de fecundação artificial e de manipulação de engenharia genética, mostram que a paternidade considerada somente do ponto de vista biológico não somente é inadequada, como é também submissa às decisões da lei. A paternidade humana não é simplesmente animal, pois inclui outros aspectos importantes; tem todo o aspecto jurídico do qual deriva direitos e deveres bem precisos que ligam os pais aos filhos e vice-versa. Há também o aspecto afetivo e o educativo, pois a criança concebida não é um ser auto-suficiente, mas tem necessidade de atenção e de cuidado para o seu desenvolvimento harmonioso. Além do mais, a psicologia ressalta não apenas a necessidade de convivência, mas também da presença paterna que dê ao filho um ponto de referência do qual ele tem necessidade para crescer sem desequilíbrio.

São José cumpriu próprio esta função paterna a respeito de Jesus, dando-lhe conforme diz Paulo VI: “O estado civil, a categoria social, a condição econômica, a experiência profissional, o ambiente familiar e a educação humana”(Alocução 19/3/1964).

Contra Fausto que negava a descendência davídica de Jesus, porque não fora gerado por José, Agostinho afirma que José teve a autoridade paterna desde o momento que lhe foi ordenado de impor o nome ao menino. Assim como a Virgem era consciente de não tê-lo concebido pela união sexual com ele, o chama contudo, de Pai de Cristo. José é o pai de Jesus e devido ao matrimônio, merecem ambos de ser chamados pais de Jesus e não somente a mãe, mas também pai do mesmo modo que era esposo de sua mãe. “Pai e Esposo por meio da mente e não da carne”, afirma Agostinho.(De nupttis et concupscentia 1,11,12). Ele é pai em virtude da união conjugal. Por que José não gerou Jesus por obra da carne, será que Maria deu à luz por obra da carne? O que o Espírito Santo operou nos dois. O Espírito Santo baseando na justiça de ambos deu a ambos o filho, por isso, diz Santo Agostinho, ele é tão seguramente pai, quanto mais castamente pai. Assinala ainda que Maria não obstante tivesse dado à luz ao Filho do Altíssimo, “não se colocou na frente na ordem do nome do marido, dizendo “Ego et Pater tuus” mas “Pater tuus et ego”. Não considerou a dignidade de seu seio, mas respeitou a ordem conjugal” (Sermo 51,11,18). De fato, Jesus não nega ser José o pai, e com eles desceu para Nazaré e era-lhes submisso. Jesus era submisso a ambos.

Jesus era considerado Filho de José também de outra maneira, como gerado totalmente de sua carne; mas pensavam assim somente aqueles aos quais era escondida a virgindade de Maria. Lucas relata que seus pais admiravam do que diziam do Menino. Jesus nasceu não de uma relação sexual de José, mas de Maria Virgem, ele mesmo o chama pai para que compreendamos corretamente que é esposo de Maria pela própria união conjugal (Ipsa Copulatione Coniugii). Sem a união da carne, e por esse motivo é pai de Cristo muito mais estritamente, sendo nascido de sua esposa, mais do que tivesse sido adotado por fora. Por fim, Santo Agostinho questiona: “José não era, portanto, pai, porque tinha acolhido o Filho sem a concupiscência da carne?” Em suma, José é pai de Jesus não porque o adotou, nem por amor à sua esposa e nem ainda por compaixão pela criança, embora estes sejam sentimentos nobres, mas sim porque Deus, o Pai de Jesus, que na plenitude dos tempos quis que se encarnasse no seio da Virgem Maria por obra do Espírito Santo, lhe manifestou com isso o seu amor.

PAI TANTO QUANTO CASTO (Curso de Josefologia – Parte II – Capítulo 18)

Os evangelistas chamam José de Pai de Jesus, mesmo esclarecendo que Maria ficou grávida por obra do Espírito Santo (Mt 1,18-20; Lc 1,35). Contudo uma catequese frágil pode chegar à conclusão que São José não foi o verdadeiro pai de Jesus, mas apenas o seu tutor. Para dirimir esta dúvida Santo Tomás afirma que a “Prole não é tida bem do matrimônio somente enquanto gerada por meio desse, mas enquanto no matrimônio é acolhida e educada”. (IV Sent, d, 30,q.2, a . 2 ad 4).

Santo Agostinho por sua vez, afirma que José é “tanto mais verdadeiro pai, quanto mais o é casto” (tanto firmius pater, quanto castius pater). O Senhor não vem portanto do sêmen de José, também se assim se acreditava, conclui Agostinho (Sermo 51,20,30).

Hoje com a moderna biotecnologia contesta-se seriamente aquela paternidade que tem como único fundamento a geração. Basta lembrar a fecundação artificial, a fecundação in vitro, a gravidez supletiva (mãe de aluguel), a fecundação de embriões… Tudo isso muitas vezes levando em consideração a qualidade, a seleção e a conservação do esperma, e por outro lado ignorando completamente a pessoa denominada de doador.

Tudo isso leva-nos a avaliar atentamente o aspecto puramente biológico da paternidade. A esse respeito é bom lembrar que Santo Tomás afirma: “que não dizemos que o homem é filho do esperma humano”.

Santo Agostinho, enfatiza que o Espírito Santo operou para todos os dois, (Maria e José) o Espírito Santo deu um Filho a ambos. “Agindo naquele sexo que devia dar à luz fez de tal modo que nascesse também para o marido” (Sermo 51,20,30).

O Espirito Santo não é pai de Jesus segundo a humanidade, por isso Santo Agostinho afirma que “Cristo nasceu do Espírito Santo não como filho. Da mesma forma, Santo Tomás afirma que de nenhuma maneira se deve dizer que Cristo é Filho do Espírito Santo e nem também de toda a Trindade (S.Th III q.32, a 2;a3). Cristo foi concebido não pelo Espírito Santo, mas por obra do Espírito Santo.

Por isso o Papa Leão XIII na Encíclica Divinum Illud (9/5/1897) ensina: “A encarnação do Verbo é a maior obra que Deus realizou fora de si, à qual concorreram todos os atributos divinos… Ora deste grande prodígio, se bem que realizado por toda a Trindade, se apropria todavia o Espírito Santo, onde diz o Evangelho que a concepção de Cristo no seio de Virgem foi obra do Espírito Santo…”

José com sua paternidade fez “dom total de si mesmo, da sua vida e do seu trabalho; e em ter convertido a sua vocação humana para o amor familiar na sobre-humana oblação de si, do seu coração e de todas as capacidades, no amor que empregou ao serviço do Messias germinado na sua casa”, como exprimiu Paulo VI. Em vista disso, o Espírito Santo que “honrou José com o nome de Pai”, segundo a expressão de Orígines, adornou-o consequentemente daquelas qualidades necessárias para o exercício de sua singular e altíssima paternidade. João de Cartagena fala de uma “simpatia” entre o Espírito Santo e São José pelo fato de ser o Espírito Santo o coração de Deus, e certamente afirmando que José era um homem segundo o coração de Deus, “é como se dissesse que ele procurou um homem conforme o Espírito Santo e, se é lícito exprimir desta maneira, tendo de qualquer forma uma certa simpatia por ele”.

Concluímos, portanto que o intervento do Espírito Santo na concepção de Jesus não excluiu a parte de José, e por isso a sua paternidade não foi esvaziada.

Ao lermos a genealogia de Jesus em Mateus 1, 1-17 concluímos que o evangelista tem o interesse para a sua messianidade e deixa claro que a sua concepção por obra do Espírito Santo não exclui a descendência davídica, mas é conditio sine qua non para a própria messianidade. Embora o tipo de Messias realizado por Jesus não correspondia a aquele da espera judaica, vê-se que a promessa de Deus a Davi é respeitada através do esposo de Maria, José, filho de Davi.

Depois de Maria, José é o primeiro chamado a confrontar-se com o mistério da maternidade virginal de Maria e diante dela José tem dúvidas e pensa em abandoná-la. Ora, isto é justificável somente no caso de que ele não fosse o pai do menino que Maria concebeu, e só na hipótese de uma virgindade física e não apenas espiritual de Maria. Entretanto, no relato, José é verdadeiro esposo de Maria, embora não sendo o pai natural de Jesus.

O Messias delineado pelos profetas devia ser descendente de Davi (Mt 22,42), pois sem isso não havia possibilidade de aceitá-lo como tal; por isso sem a paternidade de José, filho de Davi, isso não era possível. Somente dele poderia o menino ter sangue real em suas veias. Se José não é esposo de Maria, a Mãe de Jesus, este seu filho não seria o descendente de Davi. Jesus é descendente legal de Davi e não um verdadeiro filho, no sentido físico, de José. Mateus jamais poderia ter feito de José um pai putativo de Jesus se tivesse sido ele o pai natural, e igualmente não poderia apresentar Maria como mãe Virgem, se na verdade ela fosse mãe natural, ou seja, se Jesus fosse o fruto da união de ambos. A hipótese de estupro ou de um amante de Maria ter colaborado na geração de Jesus é totalmente privada de sentido, e não deve nem mesmo ser levada em consideração.

Na sua genealogia Mateus não fala da virgindade de Maria, pois excluindo a paternidade natural de José, afirma automaticamente a virgindade física de Maria. Ora, se José não é o pai natural de Jesus, a sua dúvida é real, assim como é real que Maria seja mãe virgem.

José conheceu ou não o mistério da encarnação antes da revelação do anjo? Alguns alegam que o silêncio de Maria para com José tem os seguintes motivos: Maria temia que José não teria acreditado nela e inclusive ficasse bravo (João Crisóstomo). Maria não teria podido esperar em ser compreendida por José (J. Schmid). Maria teria se colocado completamente nas mãos de Deus, deixando que ele completasse esse acontecimento (J. Knabembauer). Maria teria silenciado por humildade e modéstia (J.M. Bover). Maria teria silenciado porque de outra maneira não apenas não se compreendia a revelação do anjo, mas cairia todo o “pathos” da narração (F. Suarèz).

Pode-se dizer que no que diz respeito a virgindade de Maria, que a solução mais óbvia, porque mais natural e lógica, é considerar o indispensável testemunho de Maria e José, e pelo que diz respeito a ação do Espírito Santo, é necessário admitir a revelação divina que ambos receberam.

O encontro do divino com o humano deu-se na instituição da família, também se a divina presença concebida por obra do Espírito Santo devia comportar a cissão do vínculo conjugal, (v 19) Deus quis que fosse conservada a unidade (v 20, v 25). Aqui está a dignidade da família, dentro da qual Deus quis inserir a encarnação de seu Filho, não obstante a transcendência do evento. Aqui está a importância do matrimônio, o qual foi escolhido por Deus para a inserção honrada de seu Filho na família humana.

No momento culminante da história da salvação, José filho de Davi, foi escolhido por Deus e preparado para ser o esposo da Mãe de Jesus e para dar o nome ao menino, concebido por obra do Espírito Santo. Portanto, também se alguém quisesse afirmar que a pessoa de José não tem nenhuma importância na narração evangélica e por isso, nenhuma relação com Jesus, deve-se admitir que ele tem o direito de se apresentar como filho de Davi que garante a Jesus a conditio sine qua non da messianidade de Jesus.

A FUNÇÃO DE PAI (Curso de Josefologia – Parte II – Capítulo 19)

Um dos primeiros deveres do pai hebreu para com o seu filho era de circuncidá-lo (Mekhilta sobre Ex XIII, 13). Este preceito não precisa ter tomado literalmente, porque a execução material da circuncisão podia ser também da mãe, (Ex 4,25), mas normalmente devido a delicadeza do intervento, recorria-se a uma pessoa capaz (mõhel). Esta consistia não somente na liberação do prepúcio, mas num intervento para descobrir completamente a glande. Era portanto a responsabilidade que o pai assumia para que o seu filho fosse inserido no povo da promessa. Tratava-se conjuntamente de uma cerimônia que se fazia na casa da criança com a presença de algumas testemunhas; a tradição talmúdica fixava dez testemunhas. No rito o pai dava uma benção conforme o Talmud dizendo: “Bendito aquele que nos santificou com os seus mandamentos e nos ordenou de introduzir este na aliança de Abraão, nosso Pai”.

José, o pai de Jesus, providenciou este rito conforme determinava a lei. Podemos dizer que as gotas de sangue, o choro e as lágrimas do menino, foram todos detalhes daquele precioso momento histórico que José viveu diretamente.

Em resumo, podemos esboçar a responsabilidade paterna de José em relação a Jesus nos seguintes encargos:

– a imposição do nome ao menino (Mt 1,15), quando assumiu o direito paterno e o reconheceu como filho;

– o reconhecimento de Jesus como sendo “da casa e da família de Davi” (Lc 2,4 );

– a circuncisão (Lc 2,21) com a qual Jesus entrou a fazer parte do povo da aliança;

– o resgate de Jesus como primogênito (Lc 2,22ss );

– o cuidado na fuga e permanência no Egito (Mt 2,13-22);

– a vida em Nazaré (Mt 2,51), onde Jesus lhe era submisso.

Para os hebreus o pai tinha a obrigação de circuncidar o filho, pagar o resgate, instruí-lo na Torá, dar-lhe uma profissão e também uma esposa.

O matrimônio de José com Maria como já afirmamos, não foi um acontecimento sem importância na vida da Mãe de Deus, por isso este merece mais a nossa atenção e consideração, pois foi Deus quem escolheu pessoalmente José para ser esposo de Maria, designando ambos a servirem através deste casamento, a encarnação do seu Filho. Podemos dizer que Maria não seria a mãe do redentor se não fosse a esposa de José, sendo Jesus o Filho de Davi, através de José, do qual passa necessariamente a sua descendência davidica. Na verdade “o matrimônio com Maria é o fundamento jurídico da paternidade de José”, e a paternidade de José passa através do matrimônio com Maria.

Se para nós cristãos é indispensável professar a concepção virginal de Jesus, não menos importante é defender o matrimônio de Maria com José, porque juridicamente é dele que depende a paternidade de José.

É claro que trata-se de um matrimônio singular, estabelecido dentro do desígnio de Deus, pelo qual o “Amor de homem de José é regenerado pelo Espírito Santo”, de modo que proporciona uma vivência matrimonial que respeita a exclusiva pertença de Maria a Deus. José totalmente consciente exprimiu o seu generoso amor à Maria, tornando-o “dom esponsal de si”. Ele foi chamado por Deus para servir diretamente a pessoa e a missão de Jesus através do exercício de sua paternidade cooperando assim no mistério da Redenção e por isso tornando-se “ministro da salvação”. A salvação da humanidade passou pela humanidade de Jesus e esta realizou-se nos gestos do dia-a-dia da vida familiar da Sagrada Família. Assim, todos os episódios da infância de Jesus descritos nos Evangelhos, a começar pelo recenseamento, passando depois pelo seu nascimento em Belém, a circuncisão, a imposição do nome, a apresentação no Templo, a fuga no Egito, a permanência de Jesus no Templo, o sustento e a educação de Jesus em Nazaré, são todos gestos salvíficos. O âmbito familiar, a paternidade, a educação, os ritos, as leis, o trabalho, o cansaço, etc., foram realidades nas quais José agiu “como ministro da salvação”, e de tudo isso, Jesus serviu-se como realidade do ministério paterno de José.

A sua paternidade não é aparente ou substitutiva, mas possui plenamente a autenticidade da paternidade humana, das tarefas paternas de um pai dentro de uma família, sendo a sua uma verdadeira família fundada pelo mistério divino, onde esta com a encarnação assumiu a “forma humana da família do Filho de Deus”. Nesta família do Filho de Deus, José é o pai, também se a sua paternidade não é derivante da geração do Filho de Deus, contudo, Jesus como Filho de Deus, em virtude da união hipostática, ou seja, de sua humanidade assumida na unidade da Pessoa Divina do Verbo-Filho, ao assumir a nossa humanidade, assumiu também tudo o que é humano e em particular a família, esta primeira dimensão de sua existência aqui na terra, e por isso, neste contexto, assumiu também a paternidade humana de José.

Ao assumir a realidade humana, assumiu também a dimensão do trabalho, o qual cobriu o arco inteiro da vida de José. “Junto com a humanidade do Filho de Deus o trabalho foi acolhido no mistério da encarnação como também foi redimido. Graças à mesa do trabalho, junto a qual exercia a sua profissão ao lado de Jesus, José aproximou o trabalho humano ao mistério da Redenção”.

No ambiente de trabalho vivenciado por José na carpintaria de Nazaré estava presente de forma expressiva a dimensão da vida interior “da qual vinha a ele ordens e confortos muito particulares e davam a ele a lógica e a força para as grandes decisões”. As circunstâncias nas quais “José estava em diário contato com o mistério escondido nos séculos, que habitou em sua casa”, leva-nos a descobrir na suas ações , envolvidas de silêncio, um clima de profunda contemplação.

Ao lançar a Exortação Apostólica Redemptoris Custos, o Papa João Paulo II mostrou uma evidente preocupação de cumprir com alegria um dever pastoral; de apresentar à Igreja, São José, como também de fazer crescer “em todos a devoção ao Protetor da Igreja Universal e o amor ao Redentor, ao qual ele serviu exemplarmente”.

Com isso, o exemplo de São José, deve “consentir à Igreja, de encontrar continuamente a própria identidade no âmbito do desígnio Redentor, que tem o seu fundamento no mistério da encarnação”. A figura e a missão de São José não se prestam para um sentimentalismo ou para um devocionismo, mas para uma verdadeira devoção, que se traduz depois “numa prontidão de vontade para a dedicação às coisas que dizem respeito ao serviço de Deus”.

UMA PATERNIDADE NÃO NATURAL, MAS VERDADEIRA (Curso de Josefologia – Parte II – Capítulo 20)

Os evangelhos por um lado afirmam que Jesus foi concebido por obra do Espírito Santo, por outro chamam José de pai de Jesus e atribuem-lhe o direito de impor o nome ao mesmo. Como chefe de família é a José que o anjo dirige o comunicado para que juntamente com Jesus e Maria fujam para o Egito e depois para que voltem à Palestina e morem em Nazaré. Temos portanto esta situação muito importante, pois de um lado a maternidade divina de Maria que é uma maternidade virginal, de outro, o fato de que José é considerado e age consequentemente como pai.

Uma filiação adotiva, por si mesma não é natural, portanto é definida como jurídica, ou legal, mas pela nossa fé afirmamos que embora sendo nós filhos “adotivos” de Deus, somos verdadeiros filhos seus. Da mesma forma em relação à paternidade de José nós o atribuímos uma paternidade “putativa”, para indicar que essa não é natural, mas não para negar que essa não seja verdadeira.

O fundamento da verdadeira paternidade de José é constituído seja por causa do seu matrimônio com Maria, seja pelo nascimento de Jesus dentro deste matrimônio. Assim, o verdadeiro esposo de Maria deve ser considerado verdadeiro pai de Jesus em relação a este matrimônio, ainda que somente putativo em relação à geração corporal. Se para cada pai o matrimônio constitui o fundamento legal da verdadeira paternidade, esta portanto não pode ser tirada de José em relação a Jesus, o qual nasceu de um matrimônio que se distingue de outros matrimônios pela sua excepcionalidade já que Maria não pode ser considerada uma mãe solteira e nem Jesus um filho adulterino, pois ela concebeu-o como esposa de José e por virtude do Espírito Santo. Jesus nasceu no matrimônio de Maria e José não por acaso, mas enquanto este singular matrimônio foi expressamente querido por Deus, para acolher a Pessoa preexistente do Filho do próprio Deus; este matrimônio foi decretado por Deus em ordem ao nascimento de Jesus. Deus quis o inserimento de seu Filho no mundo dos homens de uma maneira eu não aparecesse como um filho caído do céu, mas como um Filho de Davi em cumprimento às promessas feitas por ele ao povo hebraico (1Sam 7), ora isto exigia antes de tudo uma paternidade legal ou jurídica, e ao mesmo tempo verdadeira, também se não natural.

Como ensina Santo Tomás, que a prole é um bem do matrimônio, não apenas enquanto esta é gerada por meio do matrimônio, mas enquanto no matrimônio esta é acolhida e é educada, conclui-se que dos três bens do matrimônio, a geração, a aceitação e a educação, excluindo o primeiro bem pelo motivo da singularidade inserção do Filho que preexiste desde a eternidade, permanecem ainda os outros dois.

Justamente porque Jesus não é Filho de nenhum outro homem, o relacionamento filial que o liga a José é essencialmente diferente daquele que é instaurado entre o filho de um outro pai, e o pai adotante. Assim, o relacionamento de José com Jesus o faz, portanto, muito mais íntimo parente do que se Jesus fosse adotado de fora, pois José é pai de Jesus do mesmo modo em que é entendido esposo de Maria, sem a união da carne, mas pelo vínculo do matrimônio, afirma Santo Tomás.

O título “putativo” utilizado para designar José como pai de Jesus, não deve ser entendido como uma qualificação diminutiva, ou temerosa para explicitar o que José não é, antes, é para afirmar o quanto de positivo nisto existe. Somente São José, entre todos os homens, condivide com Deus o título de pai a respeito de Jesus, uma dignidade tão grande que a nossa linguagem humana não é capaz de defini-la exatamente.

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